Hoje não há mais utopias do futuro que mobilize corações e mentes. Para o intelectual italiano Enzo Traverso, “movimentos sociais e partidos políticos de esquerda não são capazes, no curto prazo, de preencher esse vazio utópico e atuar como freios às novas direitas”.
De acordo com
Traverso, “os instrumentos historicamente construídos pela classe trabalhadora,
como sindicatos, associações comunitárias e partidos, deixaram de estar onde a
vida é vivida”.
Por Liszt Vieira (+) (Reproduzido
do Fórum 21 – Portal das Esquerdas)
A eleição para o Parlamento Europeu no domingo 9/6 mostrou, como
se esperava, o avanço da extrema direita, principalmente na França, com 32,4 %
dos votos, contra 15,2% do partido do presidente Macron e 14,3% do partido
socialista. Na Alemanha, com 16,5%, o partido de ultra direita Alternativa para
Alemanha tornou-se a segunda força política do país. Em termos gerais, a
direita deve ter 181 assentos no Parlamento Europeu, a extrema direita, 150
assentos, e a esquerda (Socialistas e Democratas), 135 assentos.
A grande maioria dos jovens votou na direita. Segundo declarações à BBC
News, “para acabar com o status quo”, “porque a esquerda fracassou”, “não
encontramos trabalho e a política de imigração é muito branda”, “a direita
radical canaliza sentimentos anti-establishment” etc.
Hoje não há mais utopias do futuro que mobilize corações e mentes. Para
o intelectual italiano Enzo Traverso, “movimentos sociais e partidos políticos
de esquerda não são capazes, no curto prazo, de preencher esse vazio utópico e
atuar como freios às novas direitas”. Ele afirma que “um espectro ronda o
mundo, e desta vez não é o comunismo, mas uma nova direita que avança na
Europa, nos EUA e América Latina, em contrapartida ao vazio de poder do sistema
de partidos tradicionais que perderam suas bases sociais e também seus
discursos identitários” (Las Nuevas Caras de la Derecha, editora Siglo
Veinteuno, 2021).
Segundo Traverso, uma parte da esquerda, incapaz de compreender as
mudanças na etapa histórica, segue apostando tudo no combate às desigualdades
econômicas, ignorando a importância que a luta cultural ganha em momentos como
esse. Por isso, no caso do Brasil, por exemplo, fica difícil compreender que,
apesar da melhora dos indicadores econômicos – com inflação sob controle,
aumento do PIB, diminuição do desemprego, aumento da renda dos mais pobres –
segue havendo um profundo mal-estar entre os mais pobres em relação à política
como um todo. De acordo com Traverso, “os instrumentos
historicamente construídos pela classe trabalhadora, como sindicatos,
associações comunitárias e partidos, deixaram de estar onde a vida é vivida”.
Traverso elogia as políticas identitárias de esquerda que reivindicam o
“reconhecimento”, ao passo que as de direita reivindicam a “exclusão”. Mas a
esquerda radical, segundo ele, nunca soube conciliar diferentes pautas
identitárias, pondo o fator econômico (a classe) acima das identidades de raça,
gênero e religião. Na mesma linha, a filósofa norte-americana Nancy Frazer,
desde 2001, defendia a necessidade de articular redistribuição com
reconhecimento, a reivindicação econômica com a luta pelo reconhecimento das
identidades. Separar redistribuição do reconhecimento, assim como separar o
social do institucional, como querem alguns, é um grave equívoco. O
institucional, sem o social, vira uma burocracia estéril. O social, sem o
institucional, torna-se em geral uma ideologia impotente, sem condições de
promover transformações sociais.
No que diz respeito à eleição de governantes, há diversos fatores que
podem influenciar o eleitor na hora do voto. Um deles é, sem dúvida, a
identificação do eleitor com o candidato. Muitas vezes, eleitores votam segundo
suas identidades, como classe social, nível econômico, religião, orientação
sexual, etnia, gênero e até mesmo clube esportivo. Outro fator importante na
formação da opinião que influencia o voto é a ação da mídia tradicional e das
redes sociais. A desinformação e as fake news desempenham hoje um papel de
grande relevância na decisão do voto, com informações enganosas ou falsas.
Identidades sociais, políticas públicas, influência da mídia e estratégias de
campanha são elementos que pesam na decisão de votar, além, é claro, das
condições econômicas.
Assim, a tese tradicional de que o voto se explica primordialmente pela
economia não corresponde mais à realidade. A famosa frase “É a economia,
estúpido”, cunhada em 1992 por James Carville, então estrategista da campanha
presidencial de Bill Clinton contra George H. W. Bush, perdeu seu reinado
exclusivo das últimas décadas. A situação atual dos EUA e também do Brasil é
esclarecedora a respeito.
É inegável a melhora da economia norte-americana. A taxa anual de
crescimento econômico durante o atual Governo Biden foi superada apenas em
quatro ocasiões nos últimos 24 anos. O desemprego está em 3,7%, nível
historicamente baixo. Ao longo dos últimos três anos foram criados 17.973.000
empregos, enquanto no primeiro triênio do governo Donald Trump criaram-se
7.994.000.
A maneira como Biden enfrentou a pandemia e seus efeitos econômicos
contribuiu para a tranquilidade nacional e a retomada da expansão do PIB.
Inspirado pelo New Deal de Franklin Roosevelt, mobilizou o governo como
incentivador de investimentos em infraestrutura, energia limpa e pesquisa
tecnológica, além dos estímulos à indústria. No plano internacional, Biden está
pagando alto preço pelo apoio militar ao genocídio dos palestinos cometido pelo
Governo de Israel. Mas, na política doméstica, a economia vai bem e antes mesmo
do massacre dos palestinos Biden já era mal avaliado pela maioria da opinião
pública.
Apesar dos avanços econômicos, Biden está atrás de Trump nas pesquisas
eleitorais. Embora processado na Justiça, Trump surge como favorito na eleição
americana de novembro próximo e tudo indica que vai ganhar a eleição, se não
for impedido pela Justiça de ser candidato, o que vai fortalecer o avanço da
extrema direita no mundo.
Algo parecido está ocorrendo com o governo Lula. Os avanços econômicos
são claros, mas não são percebidos por grande parte do eleitorado, intoxicado
com as fake news e com a propaganda diária nas redes sociais e mesmo na grande
imprensa. Inflação mais baixa, PIB mais alto, já cresceu 3,2% ante o mesmo
período do ano passado, segundo IBGE. O dólar se manteve em torno de 5 reais.
No que se refere às Reservas, Bolsonaro perdeu US$ 66 bi em 4 anos, e Lula
aumentou US$ 14 bi em 70 dias.
O nível de desemprego recuou ao menor nível desde 2015, segundo o
IBGE. A razão principal foi o crescimento do trabalho informal que paga
salários menores e contribui menos para um crescimento sustentável da economia.
Renda do trabalho dos brasileiros tem a maior alta desde o Plano Real. O
aumento chega a 11,7% em 2023 na esteira de maior gasto público. A inflação
prevista para este ano é de 3,8%, enquanto a taxa de juros Selic continua alta,
escandalosamente acima de 10%, por decisão de um Banco Central a serviço do
mercado financeiro.
O vilão parece ser o aumento no preço de alimentos que vêm subindo acima
da inflação desde outubro do ano passado. Agora, as enchentes no Rio Grande do
Sul e a seca no Centro-Oeste são dois fatores agravantes. Pesa também na
decisão do eleitor políticas de bem-estar social como saúde, educação e,
conforme a classe social, a questão da segurança pública.
Mais importante é o sentimento de abandono da população periférica que
todo ano vê suas casas inundadas pelas enchentes, com perdas quase total de
seus bens. Para essas pessoas, não há diferença importante entre os diversos
governos. Não estão preocupadas com a ABIN paralela e outras questões da super
estrutura, estão inteiramente dedicadas a buscar estratagemas de sobrevivência.
Para beneficiar essa população marginalizada, seria necessária uma política de
grande impacto como o New Deal, com forte investimento do Estado na economia,
como ocorre nos EUA com o atual Governo Biden que prega o neoliberalismo para
os outros países, sufocados com o austericídio fiscal que beneficia o mercado
financeiro.
Com a catástrofe climática no RS era de se esperar uma rejeição em massa
do Governador que cancelou e alterou 480 itens do Código Ambiental do RS e dos
Prefeitos, principalmente o Prefeito de Porto Alegre que desviou verba prevista
para a prevenção de enchentes e não fez manutenção do sistema de proteção
contra inundações, deixando sucatear as comportas, diques e muros de contenção.
Ambos são neoliberais e negacionistas notórios da crise climática. Ao que tudo
indica, porém, essa rejeição é bem menor do que se esperava. Nem está sendo
reconhecida, como merecia, a ação de apoio emergencial do Governo Federal ao
RS, inclusive com diversas visitas pessoais do presidente Lula ao Estado.
A decisão do atual Governo Lula de buscar com a direita um consenso pela
conciliação e distribuição de altos cargos no aparelho de Estado tem o objetivo
de contribuir para a governabilidade a curto prazo e facilitar a aprovação da
pauta do Governo no Congresso. Mas, a médio e longo prazo, isso pode ser
contraproducente, contribuindo ainda este ano para a vitória de candidatos de
direita nas próximas eleições municipais, que servirão de base de apoio para
uma eventual vitória da direita ou extrema direita na eleição presidencial de
2026. E, até agora, as nomeações de Ministros e altos funcionários indicados
pelo Centrão – eufemismo para a direita parlamentar – têm favorecido muito mais
a direita do que o Governo que já perdeu muitas votações no Congresso. E,
apesar dos avanços na área econômica, a popularidade do Governo e do Presidente
não tem aumentado.
Em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, o cientista
político Rudá Ricci declarou que “o governo Lula não enfrenta a direita e a
extrema direita, é um governo conservador”. Segundo ele, Lula teve uma vitória
eleitoral e derrota política pelas alianças que fez com a direita. Por outro
lado, num exemplo de apoio crítico, João Pedro Stedile, dirigente do MST, em
entrevista a Brasil de Fato, declarou que “o Governo não está fazendo nada na
reforma agrária, é uma vergonha. Desapropriação não avançou, o crédito para os
assentados não avançou, nem o Programa Nacional de Educação para a Reforma
Agrária”. Mas Stedile reforça a necessidade de defender o Governo de seus
inimigos: as multinacionais, o capital financeiro, o latifúndio predador e
parte do agronegócio.
Outra questão com peso ideológico é o problema da violência criminal e
da segurança, que leva muita gente a apoiar o discurso da extrema direita de
“atirar primeiro e perguntar depois”, “bandido bom é bandido morto”, tendo como
consequência a mortandade de inocentes nas favelas e nos bairros periféricos. E
de grande relevância é a questão ambiental que explodiu como catástrofe
anunciada no RS.
Hoje, a vida humana e animal está ameaçada pelas mudanças climáticas,
resultantes principalmente da emissão de gases de efeito estufa e, no Brasil,
do desmatamento provocado pelo agronegócio predatório, apoiado pelos
negacionistas e neoliberais, em geral com o apoio da mídia. Seria de se esperar
que a catástrofe no RS abalasse as opiniões tradicionais e, na esquerda,
contribuísse para uma crítica profunda não apenas ao neoliberalismo e ao
tradicional desenvolvimentismo que ignora a sustentabilidade, mas também – e
sobretudo – ao negacionismo climático e seus dogmas, ostensivos na direita e às
vezes, embora ocultos, presentes na esquerda. Mas isso parece não estar
ocorrendo como demonstra a decisão do Governo Lula, com o apoio ou silêncio da
esquerda, de explorar petróleo na Margem Equatorial do Amazonas, na contramão
da transição energética.
E a declaração do Presidente Lula no dia do meio ambiente – afirmando
que “a questão ambiental não é mais para ativistas e bicho grilo, é um chamado
à responsabilidade humana” – foi uma confissão oculta do tradicional
preconceito e rejeição da esquerda à questão ambiental e seus defensores na
ciência, nos movimentos sociais e na Universidade. Os negacionistas, de direita
e de esquerda, não querem lembrar que chamaram os ambientalistas de ecochatos,
bicho grilo, meio ambiente é coisa de viado, no Brasil o problema é social, não
é ambiental, meio ambiente é modismo importado da Europa, e por aí vai. Uma
atitude mais correta seria fazer autocrítica e reconhecer que os ambientalistas
e os cientistas climáticos sempre estiveram com a razão.
Ao lado do fator macroeconômico, cujos avanços não são percebidos pela
população marginalizada, temos um importante segmento da população que se
informa apenas pelas redes sociais e se identifica com valores conservadores
como o machismo, homofobia, racismo etc. São contra a interrupção voluntária da
gravidez, casamento de pessoas do mesmo sexo etc. Estamos aqui diante de uma
questão doutrinária, de influência religiosa. São contra o aborto em nome do
direito à vida, mas, depois do nascimento, não se importam se as crianças vão
morrer de fome ou baleadas pelos tiros da Polícia nas favelas. Casamento é um
contrato civil entre duas pessoas adultas, não importa a religião, o sexo, a
orientação política ou o time de futebol preferido.
Um instrumento político importante de doutrinação é o discurso “contra o
sistema”. Os jovens, com menos possibilidades de emprego no mercado de
trabalho, são muito sensíveis ao ataque ao sistema para “mudar tudo o que está
aí”. Não se diz como, não há projetos políticos, econômicos, culturais ou de
qualquer outra natureza. Mudar pode melhorar ou piorar, com vemos agora na
Argentina, onde Milei recebeu expressiva votação dos jovens, e já havíamos
visto antes no Brasil durante o governo passado. É bom não esquecer que Lula
agora é o Sistema, faz acordos por cima e muitas vezes concede vantagens a
setores já privilegiados, tudo em nome da governabilidade. São exemplos disso
as concessões feitas ao mercado, aos militares e à direita no Congresso.
Por outro lado, o Papa João Paulo II, ao destruir a Teologia da
Libertação, com o apoio do Cardeal Ratzinger, futuro Papa Bento XVI, abriu
caminho para o movimento evangélico pentecostal e neopentecostal, de origem
norte-americana. A Teologia da Prosperidade é a bandeira doutrinária dos
evangélicos neopentecostais, recentemente “enriquecida” com a Teologia do
Domínio. Os fiéis devem destruir seus adversários, vistos como inimigos de
Deus, O avanço recente do chamado “sionismo cristão” está ligado a essa nova
Teologia do Domínio.
Diante disso, só um trabalho de base a longo prazo pode reverter essa
crença e esse apoio dos fiéis e de boa parte da classe média aos políticos de
extrema direita, com o quais se identificam principalmente pelos valores
conservadores, e não por propostas econômicas ou projetos políticos.
Possivelmente, esses valores conservadores e o ódio passaram a influenciar mais
o comportamento do eleitor do que a economia.
Considerando que o último ano do mandato presidencial é absorvido pela
campanha eleitoral, o Governo Lula já percorreu metade do caminho. Se não
houver mudanças drásticas na composição e atuação do Governo, corremos o risco
de perder agora a eleição na maioria dos municípios e depois a eleição
presidencial em 2026. Afinal, a extrema direita avança em todo o mundo. Na
América Latina, servem de anteparos principalmente o Brasil, a Colômbia e o
México. Mas, com a possível vitória de Trump, candidato favorito nas eleições
presidenciais nos EUA, se não for impedido pela Justiça, a possibilidade de uma
vitória da extrema direita no Brasil, com o apoio da direita, inclusive daquela
instalada no Governo, é uma hipótese que não pode ser descartada e exige ser
enfrentada.
(+) Liszt Vieira é integrante da Coordenação Política e Conselho
Editorial do Fórum 21 e do Conselho Consultivo da Associação Alternativa
Terrazul. Foi Coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92, secretário de
Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro (2002) e presidente do Jardim
Botânico fluminense (2003 a 2013). É sociólogo e professor aposentado pela
PUC-RIO.
E as nossas bandeiras ainda estão lá — And Our Flags Are Still There — arte de Mr. Fish (Foto: Mr. Fish)
“As ilegalidades cometidas contra Assange pressagiam um mundo no qual
aqueles que têm a coragem e a integridade de expor o uso indevido do poder
serão caçados, torturados, sujeitos a julgamentos falsos e punidos com
sentenças vitalícias de prisão em confinamento solitário”
Por
Chris Hedges (jornalista)
Declaração de Chris Hedges
em manifestação no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa na cidade de Nova York
4 de maio de 2023, 16:46 h Atualizado em 4 de maio de 2023, 17:17
(As matérias foram transcritas do site Brasil 247)
Esta é uma fala que fiz numa manifestação no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa na cidade de Nova York, clamando pela libertação imediata de Julian Assange.
Originalmente publicado no The Chris Hedges Report em 3/5/23. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz, com
exclusividade para o Brasil 247.
“As ilegalidades cometidas contra Assange pressagiam um mundo no qual
aqueles que têm a coragem e a integridade de expor o uso indevido do poder
serão caçados, torturados, sujeitos a julgamentos falsos e punidos com
sentenças vitalícias de prisão em confinamento solitário”
(As três matérias são transcritas do site Brasil 247)
“As ilegalidades cometidas contra Assange pressagiam um mundo no qual aqueles que têm a coragem e a integridade de expor o uso indevido do poder serão caçados, torturados, sujeitos a julgamentos falsos e punidos com sentenças vitalícias de prisão em confinamento solitário”
(Do site Brasil 247) A detenção e perseguição de Julian Assange eviscera todos os fingimentos
do estado de direito e dos direitos de uma imprensa livre. As ilegalidades,
abraçadas pelos governos do Equador, do Reino Unido, da Suécia e dos EUA são
ameaçadoras. Elas pressagiam um mundo no qual as maquinações internas, os
abusos, a corrupção, as mentiras e os crimes, especialmente os crimes de
guerra, executados por estados corporativos e a elite dominante mundial, serão
mascaradas ao público. Elas pressagiam um mundo no qual aqueles que têm a
coragem e a integridade de expor o uso indevido do poder serão caçados,
torturados, sujeitos a julgamentos falsos e punidos com sentenças vitalícias de
prisão em confinamento solitário. Elas pressagiam a distopia Orwelliana na qual
a notícia é substituída pela propaganda, por trivialidades e entretenimento. Eu
temo que o linchamento legal de Julian marque o início oficial do totalitarismo
corporativo que definirá as nossas vidas.
“As ilegalidades cometidas contra Assange pressagiam um mundo no qual aqueles que têm a coragem e a integridade de expor o uso indevido do poder serão caçados, torturados, sujeitos a julgamentos falsos e punidos com sentenças vitalícias de prisão em confinamento solitário”
(Transcrito do site Brasil 247) Sob qual
lei o presidente equatoriano Lenin Moreno acabou por capricho com os direitos
de asilo de Julian enquanto refugiado político? Sob qual lei Moreno autorizou a
polícia britânica a entrar na embaixada equatoriana — sancionada
diplomaticamente como território soberano — para prender um cidadão
naturalizado do Equador? Sob qual lei Donald Trump criminalizou o jornalismo e
exigiu a extradição de Julian, que não é um cidadão estadunidense e cuja
organização de notícias não se sedia nos EUA? Sob qual lei a CIA violou o
privilégio de advogado-cliente, vigiou e gravou todas as conversas de Julian,
tanto digitais quanto verbais, com os seus advogados e conspirou para
sequestrá-lo da embaixada e para assassiná-lo?
O estado
corporativo eviscera os direitos consagrados por decreto judicial. É assim que
temos o direito à privacidade, sem privacidade. É assim que temos eleições
“livres” financiadas pelo dinheiro corporativo, cobertas pelas mídias
corporativas e sob o controle férreo das corporações. É assim que temos um
processo legislativo sem o devido processo legal. É assim que temos um governo,
cuja responsabilidade fundamental é a de proteger os cidadãos, que ordena e
executa assassinatos dos seus próprios cidadãos, como o clérigo muçulmano Anwar
al-Awlaki e o seu filho de 16 anos. É assim que temos uma imprensa a qual é
permitido legalmente publicar informações classificadas e o publisher mais
importante da nossa geração está sentado em confinamento solitário numa prisão
de alta segurança, aguardando a sua extradição para os EUA.
A tortura
psicológica de Julian — documentada pelo relator especial da ONU sobre tortura,
Nils Melzer — espelha a quebra do dissidente Winston Smith na novela “1984” de
George Orwell. A Gestapo quebrava ossos. A Stasi da Alemanha Oriental quebrava
almas. Nós também refinamos as formas mais brutas de tortura para destruir
tanto almas quanto corpos. Isto é mais eficaz. É isto que eles estão fazendo
com Julian, degradando constantemente a sua saúde física e psicológica. Este é
uma execução em câmera lenta. Isto é feito de propósito. Julian passou a maior
parte do tempo em isolamento, é frequentemente sedado e lhe foi negado
tratamento médico para uma variedade de doenças físicas. É-lhe negado
rotineiramente o acesso aos seus advogados. Ele perdeu muito peso, sofreu um
AVC leve, passou algum tempo na ala hospitalar da prisão — a qual os
prisioneiros chamam de ala do inferno — porque ele está em estado de suicídio,
foi colocado em confinamento solitário prolongado, foi observado batendo a sua
cabeça na parede e tendo alucinações. Esta é nossa versão do temido Quarto 1010
de Orwell.
Julian
foi marcado pela CIA para ser eliminado depois que ele e o WikiLeaks publicaram
o documento conhecido como Vault 7, o qual expôs o arsenal de guerra
cibernética da CIA — incluindo dezenas de vírus, trojans, sistemas de malware
por controle remoto programados para explorar uma ampla gama de produtos
estadunidenses e europeus, incluindo o iPhone da Apple, o Android do Google, o
Windows da Microsoft e até as Smart TVs da Samsung, que podem ser usados como
microfones clandestinos quando parecem estar desligados.
Eu passei
duas décadas como correspondente estrangeiro. Vi como as ferramentas brutais da
repressão são testadas naqueles que Frantz Fanon chamou de “os miseráveis da
Terra”. Desde o seu início, a CIA executou assassinatos, golpes de estado,
torturas, campanhas de propaganda suja, chantagens e espionagem ilegal e abusos,
incluindo de cidadãos estadunidenses, atividades expostas em 1975 pelas
audiências públicas do Comitê Church no Senado dos EUA e nas audiências do
Comitê Pike na Assembleia Federal de Representantes. Todos estes crimes,
especialmente após os ataques de 11/9/2001 [torres-gêmeas de NY], voltaram como
uma vingança. A CIA tem as suas próprias unidades armadas e um programa de
drones, esquadrões da morte e um vasto arquipélago global de prisões
clandestinas nas quais as vítimas sequestradas são torturadas e desaparecidas.
Os EUA
alocam um orçamento clandestino secreto de cerca de US$ 50 bilhões por ano para
esconder múltiplos tipos de projetos clandestinos executados pela Agência
Nacional de Segurança [NSA — National Security Agency], pela CIA e por outras agências
de inteligência — geralmente fora do escrutínio do Congresso dos EUA. A CIA tem
um aparato bem lubrificado, que é a razão pela qual, já que tinha montado um
sistema de vigilância por vídeo de 24 horas por dia de Julian na embaixada
equatoriana em Londres, enquanto discutia naturalmente o sequestro e o
assassinato de Julian. Este é o negócio deles. O Senador Frank Church — após
examinar os documentos pesadamente censurados da CIA que foram disponibilizados
ao seu comitê — definiu as “atividades clandestinas” da CIA como “um disfarce
semântico para assassinatos, coerção, chantagem, suborno, a disseminação de
mentiras e associações com conhecidos torturadores e terroristas
internacionais”.
Tema os
manipuladores das marionetes, não as próprias marionetes. Eles são o inimigo que vem de
dentro.
Esta é
uma luta por Julian, a quem conheço e admiro. Esta é uma luta pela sua família,
que está trabalhando incansavelmente pela sua libertação. Esta é uma luta pelo
estado de direito. Esta é uma luta pela liberdade de imprensa. Esta é uma luta
para salvar o que resta da nossa diminuída democracia. E esta é uma luta que
nós não podemos perder.
Chris Hedges: Jornalista vencedor do Pulitzer Prize (maior
prêmio do jornalismo nos EUA), foi correspondente estrangeiro do New York
Times, trabalhou para o The Dallas Morning News, The Christian Science Monitor
e NPR.
Entenda por que Assange é considerado um herói do
jornalismo investigativo e mobiliza entidades de direitos humanos
Preso desde 2019 no Reino Unido, ele revelou importantes segredos de
guerra
247
– Preso desde 2019 no Reino Unido, Julian Assange é um jornalista,
ativista e fundador do site Wikileaks, que ficou famoso por divulgar
informações confidenciais e documentos secretos de governos, empresas e
organizações ao redor do mundo.
A
importância de Assange para o jornalismo mundial está relacionada com a sua
defesa da liberdade de imprensa e da transparência governamental. Ele
acreditava que a sociedade tem o direito de saber o que seus governos estão
fazendo em seu nome e que o jornalismo tem o dever de investigar e divulgar
informações relevantes para o público.
Assange
foi responsável por divulgar informações importantes, como os documentos do
Departamento de Estado dos Estados Unidos, que mostraram conversas entre
diplomatas americanos e líderes de outros países e revelaram ações secretas dos
Estados Unidos no exterior, assim como a ação durante a invasão do Iraque.
Assange
também contribuiu para o desenvolvimento do jornalismo investigativo, ao
incentivar a publicação de informações confidenciais e ao promover o uso da
tecnologia para proteger a identidade de fontes e jornalistas.
O papel
de Assange na guerra do Iraque
Julian
Assange e o Wikileaks divulgaram vários documentos secretos sobre a guerra do
Iraque, que revelaram informações importantes sobre a atuação dos Estados
Unidos e de outros países no conflito.
Um dos
documentos mais divulgados foi um vídeo que ficou conhecido como
"Collateral Murder", que mostrava um ataque aéreo dos Estados Unidos
em Bagdá, em 2007, que matou 12 pessoas, incluindo dois funcionários da agência
de notícias Reuters. O vídeo mostrou soldados americanos atirando em civis
desarmados, incluindo um motorista de táxi e crianças que estavam próximas ao
local do ataque. A divulgação do vídeo gerou indignação em todo o mundo e
levantou questões sobre a conduta dos soldados americanos no Iraque.
Além
disso, o Wikileaks divulgou milhares de relatórios militares confidenciais que
mostravam o número de civis mortos no conflito, ações violentas cometidas por
soldados americanos e outras informações que colocaram em dúvida a versão
oficial dos Estados Unidos sobre a guerra do Iraque.
Os
documentos também revelaram que os Estados Unidos permitiram que tropas britânicas
e americanas entregassem prisioneiros iraquianos a grupos de milícias que os
torturaram e mataram. Além disso, os documentos mostraram que as forças
americanas mantiveram um registro de 109.032 mortes no Iraque, incluindo 66.081
civis, entre 2004 e 2009.
A
divulgação desses documentos e informações trouxe à tona questões importantes
sobre a conduta dos Estados Unidos e de outros países no conflito, e teve um
impacto significativo na opinião pública sobre a guerra no Iraque.
Na Inglaterra, Lula defende soltura de Assange e
cobra mobilização da imprensa mundial: "prisão vergonhosa"
"O jornalista denunciou que um Estado estava vigiando os outros e
isso virou crime contra ele? E a imprensa não faz um movimento para libertar
esse cidadão?", questiona o presidente.
6 de maio de 2023, 13:30 h Atualizado
em 6 de maio de 2023, 13:30
247 - Durante
coletiva de imprensa em Londres neste sábado (6), o presidente Lula (PT)
defendeu a soltura do jornalista Julian
Assange, fundador do WikiLeaks preso por revelar ao mundo
documentos do Departamento de Estado dos EUA, que mostraram conversas entre
diplomatas americanos e líderes de outros países e revelaram ações secretas do
país no exterior, assim como a ação durante a invasão do Iraque.
Assange está preso justamente em Londres, a cerca
de 10 km onde o chefe de Estado brasileiro falou com jornalistas na manhã de
hoje. O jornalista aguarda um caso de extradição para os EUA.
"Eu acho uma vergonha. É uma vergonha que o
Assange, um jornalista que denunciou falcatruas de um Estado contra os outros,
esteja preso, condenado a morrer na cadeia, e a gente não faça nada para
libertá-lo. É um negócio maluco, a gente que briga e fala em liberdade de
expressão, e o cara está preso porque denunciou as falcatruas. E a imprensa não
se mexe na defesa desse jornalista, eu sinceramente não consigo entender",
declarou Lula quando questionado sobre o tema.
O presidente reforçou que conversará com o
primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, por telefone sobre o assunto
quando retornar ao Brasil, e cobrou uma mobilização da imprensa internacional
em defesa de Assange: "eu até peço perdão porque foi um assunto que
esqueci de falar com o primeiro-ministro, vou ligar para ele quando chegar no
Brasil. Acho que é preciso um movimento da imprensa mundial em defesa da
liberdade dele. Na defesa da liberdade para denunciar as coisas".
"Ele denunciou que um Estado estava vigiando
os outros e isso virou crime contra o jornalista? E a imprensa, que defende a
liberdade de imprensa, não faz um movimento para libertar esse cidadão?",
questionou Lula.
Matéria reproduzida do site da BBC News – de 06/01/2023 (Atenção: entrevista feita antes do quebra-quebra nas sedes dos poderes em Brasília, dia 08/01/2023)
O historiador Carlos Fico, estudioso da
Ditadura Militar (1964-1985), considera que é "compreensível" a opção
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de adotar uma postura conciliadora
com as Forças Armadas no início do seu governo.
Na sua avaliação, o petista
não tem força para enfrentar agora o antigo problema brasileiro de
"intervencionismo militar" na política, após ter sido eleito em uma
vitória apertada contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, governo em que as
Forças Armadas alcançaram o maior espaço desde a redemocratização.
"Qualquer governo que assumisse agora teria dificuldade (na relação com os militares), a não ser que fosse de extrema-direita novamente. Então, acho compreensível a tentativa de acalmar os ânimos", afirmou em entrevista à BBC News Brasil.
"Compreendo que seja
impossível enfrentar os problemas que existem na relação dos militares com a
política, dos militares com os civis, depois de toda uma longa trajetória de
falas políticas indevidas, de indisciplina, de quebra da hierarquia, de tudo
que aconteceu no governo Bolsonaro", acrescentou.
Para o professor titular de
História Brasileira na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a
politização das Forças Armadas aumentou a partir do governo de Michel Temer e,
em especial, nos últimos quatro anos, mas é um problema "estrutural,
extremamente complexo", que se reflete no "excesso de atribuições
indevidas" atribuídas aos militares pelas constituições brasileiras ao
longo dos séculos.
Fico diz que isso permanece
na Constituição atual por meio do artigo 142, que estabelece que "as
Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica,
são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na
hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da
República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".
Segundo o historiador, essa
redação foi incluída por lobby dos militares e dá margem para interpretações
equivocadas que atribuem às Forças Armadas um pretenso papel moderador sobre os
três Poderes da República: Executivo, Legislativo e Judiciário.
Apesar de considerar que
isso "fragiliza muito a institucionalidade da democracia brasileira",
o historiador não acredita que haverá qualquer tentativa de mudar esse trecho
da Constituição nos próximos anos.
"A alteração disso é
uma coisa que criaria um tumulto muito grande entre os militares. Muito maior
do que, por exemplo, foi a Comissão Nacional da Verdade (durante o governo
Dilma Rousseff)", afirma.
"Precisa de um
Presidente da República muito forte pra enfrentar esse tipo de problema. No
momento, a gente está no início do governo, vindo de uma eleição que foi
disputada quase que, diria, voto a voto. Então, temo que isso vá ter que
aguardar um pouco", reforçou em outro trecho da entrevista.
Lula escolheu o político
conservador José Múcio (PTB) para o Ministério da Defesa e nomeou como
comandante das três forças os generais-oficiais mais antigos: general Julio
César de Arruda (Exército), almirante de esquadra Marcos Sampaio Olsen
(Marinha) e o tenente-brigadeiro Marcelo Kanitz Damasceno (Aeronáutica).
Apesar de considerar as
escolhas compreensíveis dentro de uma estratégia de conciliação, Fico
considerou "muito ruim" a antecipação da nomeação dos comandantes
para antes da posse de Lula, após pressão das Forças Armadas.
Ele também criticou a
declaração de Múcio de que os acampamentos em frente aos quartéis pedindo um
golpe militar após a eleição de Lula, justamente como base no artigo 142 da
Constituição, seriam uma "manifestação democrática".
"É um equívoco, um excesso
de zelo dele. Ele não é tão habilidoso assim como se propaga, pelo visto,
né?", questionou Fico.
Confira, a seguir, os
principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil - Como
avalia esse início de relação do governo Lula com os militares? A escolha de um
ministro da Defesa conciliador foi adequada, ou deveria haver um enfrentamento
mais duro à politização das Forças Armadas?
Carlos Fico - Qualquer governo que
assumisse agora teria dificuldade, a não ser que fosse de extrema-direita
novamente. Então, acho compreensível a tentativa de acalmar os ânimos, de não
trazer temas que são realmente problemáticos na trajetória histórica das Forças
Armadas para serem discutidos neste momento.
Não sei se no futuro haverá
espaço para isso. Eu acho que durante muito tempo não vai haver. Então dá pra
entender a escolha de um ministro com esse perfil de conciliação.
O que eu não gostei mesmo
foi de ter havido aquela pressão para o presidente, ainda presidente eleito,
fazer a nomeação logo de um ministro com esse perfil, inclusive sob pena de
alguma insubordinação, que afinal acabou acontecendo. Então, me pareceu ruim
que o Lula tivesse cedido àquela pressão. Houve aquela hipótese dos comandantes
renunciarem e isso funcionou como uma forma de pressão. E, afinal de contas,
acabou que eles deixaram os cargos mesmo antes da transmissão de cargo de
comandante.
O próprio ministro da
Defesa também deixou o cargo antes. É uma coisa ruim que não tenha tido
transmissão de cargo e que os comandantes indicados por Lula tenham sido nomeados
como interinos pelo Bolsonaro. Então, já começou meio mal.
Mas eu compreendo que seja
impossível enfrentar os problemas que existem na relação dos militares com a
política, dos militares com os civis, depois de toda uma longa trajetória de
falas políticas indevidas, de indisciplina, de quebra da hierarquia, de tudo
que aconteceu no governo Bolsonaro.
BBC News Brasil - Por que a
saída dos comandantes das Forças antes da posse de Lula é algo tão ruim?
Carlos Fico - Os comandantes militares do
período do Bolsonaro não queriam, digamos, prestar continência para o Lula.
Parece um problema menor para as pessoas no geral, mas no contexto do ambiente
militar isso tem grande significação simbólica.
Então, para evitar perfilar
e fazer continência ao novo presidente, os comandantes militares da época do
Bolsonaro começaram a discutir uma proposta do antigo comandante da Aeronáutica
de renunciar no dia 23 de dezembro e Bolsonaro, então, nomearia interinamente
os novos comandantes indicados pelo Lula, que foram escolhidos pelo critério de
antiguidade. Por que esse critério foi escolhido? Naturalmente, porque não há
como contestar.
Eventualmente, o Presidente
da República e o ministro da Defesa poderiam ter preferência por um outro
general, um outro brigadeiro e um outro almirante, não necessariamente o mais
antigo. Preferência, sei lá, por trajetória profissional, perfil político,
qualquer coisa assim. Então, a escolha do critério da antiguidade pelo ministro
da Defesa também faz parte dessa estratégia de conciliação.
Esse tipo de pressão é
indevida e me pareceu muito negativa. Lula não foi capaz de resistir à pressão
dos militares. Poderia ter sido o próprio Múcio, que é um perfil conciliador,
e, em seguida, o Múcio nomearia os comandantes, e os antigos comandantes do
Bolsonaro, como sempre aconteceu, fariam a transmissão do cargo pro novo
comandante. Então, essas cerimônias (de transmissão de cargo) são tradicionais
e não estão acontecendo.
BBC News Brasil - Múcio
disse a jornalistas, após a cerimônia para assumir o cargo, que os atos na
frente dos quartéis seriam democráticos. Como vê essa fala?
Carlos Fico - É um equívoco, um
excesso de zelo dele. É claro que manifestações que peçam intervenção militar
ou golpe militar são antidemocráticas e deveriam ser coibidas. Isso aí é muito
ruim, muito negativo e certamente desnecessário. Não havia a menor necessidade.
Mesmo com essa estratégia conciliadora, apaziguadora, não haveria necessidade
de ele dar essa declaração. Ele não é tão habilidoso assim como se propaga, pelo
visto, né?
BBC News Brasil - Após esse
início conciliador, há algo que o governo Lula possa fazer para reduzir a
politização das Forças Armadas?
Carlos Fico - Eu acho que a simples
existência de um governo democrático, funcional e racional colabora no sentido
de uma despolitização mais explícita. Na verdade, essa atuação indevida dos
militares na política vem acontecendo com mais visibilidade desde o governo
Michel Temer (2016-2018). E, no governo Bolsonaro, o presidente da República
todo dia, praticamente, fazia um investimento nessa presença política das
Forças Armadas, como se elas fossem dar o golpe. Então, o fato disso deixar de
existir já é, por si só, muito positivo.
Agora, esse não é um
problema pontual que começou com o Temer e se agravou com o Bolsonaro. Esse é
um problema histórico, de longa duração. Vem desde o fim da Guerra do Paraguai
(1864 a 1870), ainda durante o Império, no século 19. Ele atravessou todo o
período republicano e, inclusive, tem uma dimensão, como eu sempre falo,
constitucionalizada, que é o famoso artigo 142 da Constituição, que foi muito
mal redigido e dá atribuições excessivas às Forças Armadas.
Muitos oficiais generais
entendem que o artigo 142, assim como outros artigos de Constituições passadas,
daria — o que é equivocado, mas muitos oficiais generais acham — às Forças
Armadas o papel de moderador. É um problema estrutural, extremamente complexo.
Na tradição constitucional brasileira, a atribuição das competências das Forças
Armadas sempre foi excessiva, em competências indevidas.
É um problema que
ultrapassa a crise criada pelo Bolsonaro e que vai ser muito difícil resolver.
Não imagino que isso (a atual redação do artigo 142) vá ser sequer enfrentado
durante os próximos quatro anos. Não sei quando será possível a gente ter um
ambiente político para enfrentar esse problema, o que fragiliza muito a
institucionalidade da democracia brasileira.
BBC NEWS Brasil - Então, na
sua avaliação, o Congresso precisa aprovar emenda constitucional redigindo
novamente esse artigo?
Carlos Fico - Exatamente. Parte desse
artigo é muito ruim porque, durante a Assembleia Constituinte de 1987, 1988,
quando a gente tinha saído há poucos anos da ditadura, havia uma preocupação
grande do Ministro General Leônidas Pires Gonçalves, que era ministro do
Exército do governo José Sarney (primeiro presidente Civil após o fim do regime
militar), mas muito duro, muito preocupado com a tradição.
Ele fez um lobby muito
forte na Constituinte e conseguiu garantir duas coisas que integram a tal
tradição constitucional: a Garantia da Lei e da Ordem, que é um papel de
polícia que já não deveria haver, e também a garantia dos poderes
constitucionais. Essa expressão, sobretudo, é que é ruim.
A Constituição diz que
compete às Forças Armadas aquelas coisas tradicionais em qualquer país, a
defesa da pátria contra ameaças externas, e também a Garantia da Lei e da Ordem
e dos poderes constitucionais. Sobretudo essa última expressão ficou muito
confusa, dúbia. Ninguém sabe exatamente o que isso significa. Porque garantir
os poderes constitucionais, ou seja, o Congresso, o Executivo, o Judiciário, é
um papel de todo mundo, né? E quem ameaça esses poderes constitucionais? Então
isso fica ao arbítrio das Forças Armadas.
O Supremo Tribunal Federal
fez uma decisão liminar interpretando o artigo 142 e dizendo: "não, não
tem essa história de intervenção (dos militares nos demais Poderes), nada
disso, não é isso que a passagem quer dizer". A mesa da Câmara também se
manifestou, durante o governo Bolsonaro, dizendo que não. E, portanto, só pelo
fato do Supremo e da mesa da Câmara terem sido obrigados a se manifestar, você
vê que há um problema aí.
Tem essa interpretação
otimista, que é claro que eu concordo com ela, mas a verdade é que qualquer
pessoa que leia esse artigo vai ver que ele tem esse problema que eu mencionei.
A alteração disso é uma coisa que criaria um tumulto muito grande entre os
militares. Muito maior do que, por exemplo, foi a Comissão Nacional da Verdade
(durante do governo Dilma Rousseff). O relatório da Comissão (responsabilizando
militares pela tortura e assassinato de opositores da ditadura) gerou muita
insatisfação entre os militares e também está na origem, vamos dizer, dessa
antipatia que eles têm contra o PT, Lula, e, sobretudo, a Dilma.
Então são vários focos de
problemas, mas o principal é essa tradição histórica, que vem desde o século
19, de várias intervenções militares, que acabou levando a diversas
constituições, inclusive a primeira, de 1891, a darem essa atribuição
excessiva, que agora se expressa nessa passagem do artigo 142 (da Constituição
de 1988).
BBC News Brasil - Houve um
excesso no uso das operações de Garantia da Lei e da Ordem, a partir dos
governos petistas?
Carlos Fico - Essa utilização das
Forças Armadas como força policial é claramente indevida. É claro que existe em
outros países também, como no Brasil, previsão para esse uso no caso de
situações extremamente dramáticas. Mas elas não podem ser banalizadas. Acredito
que, com o tempo, a criação de forças especiais, federais, talvez vinculadas à
Polícia Federal, vai acabar resolvendo esse problema.
Porque esse é um caso de
problema estabelecido pelo artigo 142 que prevê exatamente a Garantia da Lei e
da Ordem para as Forças Armadas. Então você vê como ele é terrível. O artigo
142 é escrito mais ou menos da seguinte maneira: às Forças Armadas competem
isso, aquilo e aquilo, a garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa
de um deles, a Garantia da Lei e da Ordem.
Então, só a Garantia da Lei
e da Ordem tem a previsão de iniciativa de um dos três poderes. Por isso que eu
digo que a garantia dos poderes constitucionais é precária. E, para finalizar,
tem o seguinte: se um presidente do Congresso ou presidente do Supremo pedem a
aplicação da Garantia da Lei e da Ordem, quem decide, em última instância, é o
presidente da República, conforme a lei que regulamenta o artigo 142. Então,
você vê que é uma coisa cheia de detalhes, cheia de problemas.
BBC News Brasil - Então os
outros Poderes podem chamar as Forças Armadas a atuar, mas é o presidente que
tem a palavra final?
Carlos Fico - Era o receio que havia
agora durante a eleição. Então, vamos supor que houvesse uma iniciativa de
bolsonaristas mais radicais ainda, contestando as eleições, invadindo, sei lá,
o Congresso, o TSE, e o Congresso ou o Supremo pedissem a aplicação da Garantia
da Lei e da Ordem. Quem ia decidir? Seria o Bolsonaro. Ele poderia dizer:
"não, não precisa, isso é uma manifestação democrática", e ficaria
por isso mesmo. Então você vê que tem vários problemas que, inclusive, vão para
o plano da legislação.
BBC News Brasil - O
presidente Lula não citou as Forças Armadas nos dois discursos de posse. Seria
mais um movimento para distensionar a relação, não provocar os militares?
Carlos Fico - Talvez não distensionar ou
não provocar, mas sobretudo talvez não dar muita importância, o que seria
positivo.
Na geração que me antecede,
que é um pouco mais velha do que eu, e que, portanto, enfrentou mais
diretamente a ditadura, eu acho que tem um problema geracional na relação com
militares. Então, todos os presidentes democratas, como Fernando Henrique
Cardoso, Lula e Dilma, têm esse perfil. Eu não sei se é medo, se é uma atitude
um pouco de covardia, mas tiveram muita cautela na relação com os militares. E,
portanto, nunca enfrentaram, vamos dizer assim, de frente esses problemas que
mencionei.
Espero que, com o tempo,
isso se dissolva para que esse velhíssimo problema, o intervencionismo militar,
seja enfrentado de frente, com maior segurança, maior clareza. Porque não dá
pra você ter uma democracia consolidada sem a proeminência do poder civil. E
isso tem uma dimensão que é simbólica também. Não é só constitucional, mas é
simbólica. A maneira como os presidentes da república se relacionam com os
militares, me parece que sempre houve, desde o fim da ditadura, esse excesso de
reverência.
BBC News Brasil - No
primeiro governo Lula havia um contexto mais favorável para a despolitização
das Forças Armadas do que agora? Foi uma oportunidade perdida?
Carlos Fico - Sim, sobretudo o governo Fernando
Henrique, que conseguiu um grande avanço com a criação do Ministério da Defesa.
E, no caso do governo Lula, sobretudo depois dos três primeiros anos, em que
havia aquele temor sobre o que o Lula vai fazer, o que não vai fazer, e aí
ficou claro que era um governo democrático, fortalecido pelo sucesso do próprio
governo. Portanto, esses dois momentos foram perdidos.
No governo da Dilma, eu
acho que não havia, por conta do passado de militante da esquerda
revolucionária. Mas, no caso do Lula e do Fernando Henrique Cardoso, esse
problema poderia ter sido enfrentado. Aliás, Fernando Henrique Cardoso foi um
dos constituintes que tentou melhorar o tal artigo 142 e não conseguiu. Assim
como outros, José Genoíno, Afonso Arinos de Melo Franco. Mas, enfim, já perdemos
algumas oportunidades, com certeza.
Agora, vai depender muito
do que vai acontecer nos próximos anos, porque precisa de um Presidente da
República muito forte pra enfrentar esse tipo de problema. No momento a gente
está no início do governo, vindo de uma eleição que foi disputada quase que,
diria, voto a voto. A diferença (de Lula sobre Bolsonaro) foi muito pequena.
Então, temo que isso vá ter que aguardar um pouco.
BBC News Brasil - Voltando
aos acampamentos na frente dos quartéis contra a eleição de Lula: as Forças
Armadas foram coniventes?
Carlos Fico - Houve uma conivência
dos comandantes bolsonaristas e do próprio Ministro da Defesa bolsonarista.
Porque é claro que o Bolsonaro queria manter aqueles acampamentos. Houve
claramente conivência porque eles deveriam ter convocado as polícias militares
locais para coibir os excessos dos manifestantes. E, mesmo, estarem acampados
ali, naquela região que é de segurança militar, é uma coisa completamente sem
sentido. Porque eles não permitem nem que você passe sem parar com o carro
nessas regiões, e permitiram um acampamento totalmente heterodoxo.
Agora, tem uma outra coisa
também que é o papel do Congresso Nacional e dos governadores. Quer dizer, os
governadores de Estado não poderiam mandar PMs simplesmente desmontar aquilo,
mas poderiam falar com os comandantes das unidades militares no estado:
"olha, dá um jeito nisso, faz alguma coisa". Não houve nada disso.
Porque os governadores do Rio, de São Paulo, de Minas Gerais são rescaldos do
bolsonarismo. E tampouco o Congresso Nacional fez qualquer coisa. Até porque
tem o perfil político que tem. Então foi um conjunto de falta de iniciativas
que, certamente, no caso dos comandantes, caracteriza conivência.
"Cenário aponta para a derrota do bolsonarismo - ainda que por
margem mais estreita do que gostaríamos de ver"Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Ricardo Stuckert)
Por Rodrigo Vianna – jornalista, âncora do programa Boa Noite 247 – em 05/outubro/2022 (atualizado em 06/outubro/2022)
Lula teve
ótima votação no primeiro turno, dentro de um cenário que este jornalista por
exemplo sempre desenhou nas transmissões da TV 247: o mais provável, pela
história e pelas curvas dos candidatos, sempre foi eleição em dois turnos.
Então, 48,5% dos votos para alguém perseguido durante quase dez anos foi uma
vitória tremenda.
O que
espantou os setores democráticos foi a arrancada para a vitória no Congresso de
personagens nefastos ligados a Bolsonaro, aliada ao fato de que o capetão
obteve 43% dos votos, ficando a apenas 5 pontos de Lula.
Nos
últimos dias, vejo certo desespero entre apoiadores de Lula e da Democracia.
"Ah, Bolsonaro teve 1,7 milhão de votos de vantagem sobre Lula em São
Paulo, isso é muito perigoso".
Oh, que
espanto! Perigoso, é. Mas o PT desde 2006 perdeu todas as eleições
presidenciais em São Paulo. Mesmo assim, foi capaz de ganhar nacionalmente (com
exceção de 2018).
Dessa
vez, a derrota em São Paulo não foi feia. Lula venceu na capital e na região
metropolitana. Ganhou ou perdeu por pequena diferença em cidades
médias/universitárias (Araraquara, São Carlos). E perdeu por margem maior no
interior profundo - que tem hegemonia do agro e identidade mais próxima com o
Centro Oeste do Brasil.
Foi um
susto? Ok. Mas a turma talvez esteja esquecendo de olhar para a fortaleza
impressionante que Lula tem no Nordeste.
"Ah,
são estados menos populosos do que São Paulo, então não fazem tanta
diferença". Opa, calma. Olhe para os números que trago a seguir.
Só no
estado do Ceará, Lula abriu 2,2 milhões de votos de diferença no primeiro
turno. Ou seja: o Ceará compensou a derrota em São Paulo. E ainda sobraram
quase 500.000 votos de lambuja para equilibrar também a derrota petista no
Espírito Santo. A equação é: CE = SP + ES.
Da mesma
forma, a vantagem estrondosa obtida por Lula na Bahia (um estado imenso) compensou
a derrota no Rio, Paraná e Santa Catarina.
O resumo
é: Lula perdeu "de pouco" em SP/RJ e ganhou "de muito" no
Nordeste. Motivo para salto alto? Nenhum. Mas tampouco para desespero.
Sejamos
pessimistas e imaginemos que Lula não consiga recuperar terreno no Sudeste e no
Sul, no segundo turno. Pensemos no seguinte quadro:
-
Bolsonaro amplia a diferença em São Paulo, no segundo turno, para 2,5 milhões
de votos sobre Lula;
- no Rio,
a diferença pró Bolsonaro cresce de 1 milhão para 1,5 milhão de votos;
- e em
Minas o apoio de Zema faz mágica e Bolsonaro inverte o jogo, em vez da derrota
por 600 mil votos ocorrida dia 2, livra agora 600 mil votos sobre Lula, numa
virara inédita em terras mineiras.
Somando
isso tudo, Bolsonaro teria uma diferença de 5 milhões de votos no Sudeste. É
bastante, eu sei. Mas é menos da metade da diferença que Lula deve abrir no
Nordeste.
Bolsonaro
tem apoio e máquinas estaduais em Minas, São Paulo e Rio. Lula tem apoio e
máquinas fortes no Ceará, Bahia, Pernambuco, Maranhão, Piauí, Rio Grande do
Norte e também no Pará da família Barbalho.
A seguir,
uma simulação da diferença de votos, por região, supondo que no segundo turno
Bolsonaro amplie a vantagem onde já venceu no primeiro (Sudeste, Sul e Centro
Oeste), conquistando a maior parte dos eleitores de Ciro/Tebet/Outros e alguns
brancos/nulos/abstenções; enquanto Lula faria movimento semelhante, ampliando
as margens nos estados onde já venceu (Nordeste e parte do Norte).
*
Sudeste: Bolsonaro abre 5 milhões de votos
(2,5
milhões SP, 1,5 milhão RJ, 600 mil MG, 400 mil ES)
* Sul:
Bolsonaro abre 3,5 milhões de votos
(1,5
milhão PR, 1,5 milhão SC, 500 mil RS)
* Centro
Oeste: Bolsonaro abre 1,5 milhão de votos
* Norte:
Lula abre pequena vantagem de 500 mil votos, graças ao peso do Pará lulista
*
Nordeste: Lula abre 13 milhões de vantagem
(4
milhões BA, 2,5 milhões CE, 2 milhões PE, 1,5 milhão MA, 1 milhão PI, 2 milhões
PB/AL/SE/RN)
A
vantagem de 10 milhões de votos de Bolsonaro - obtida no Sul, Sudeste e Centro
Oeste - é revertida pela diferença brutal pró-Lula no Nordeste: 13 milhões,
pelas minhas simulações (feitas sem exagero, e sendo sempre mais
"otimista" com Bolsonaro).
Isso quer
dizer que, por essa simulação "pessimista" para Lula, o petista ainda
teria vantagem por margem entre 3 e 4 milhões de votos - muito parecida com a
vitória de Dilma em 2014.
Agora,
esqueça as contas.
O mais
provável é que a vitória de Lula não seja tão apertada, porque ele tem
condições de recuperar terreno no Rio (com Eduardo Paes e o PDT de Rodrigo
Neves entrando pesado na campanha), reduzir danos em São Paulo e segurar
vantagem pequena/empate em Minas. O Rio Grande do Sul é outro estado em que
Lula pode reduzir diferença, a depender da aliança local com Leite do
PSDB.
Por isso
tudo, sigo a dizer: o mais provável é que Lula chegue ao fim do segundo turno
com uma vantagem na casa de 53 x 47 ou até de 54 x 46.
Não se
trata do que dizem pesquisas, mas do voto lulista profundamente enraizado no
Nordeste, em parte de Minas e em periferias de capitais como São Paulo, Belo
Horizonte e Porto Alegre.
Lula é
favorito - a não ser que Bolsonaro consiga tirar uma quantidade significativa
de votos do próprio Lula no segundo turno, algo absolutamente inédito (líder do
primeiro turno jamais reduziu seu montante no segundo turno, desde 1989) e algo
que a extrema-direita não conseguiu fazer até agora, mesmo batendo em Lula
durante meses de campanha.
A vitória
está garantida? Não. Será preciso lutar muito pela defesa da Democracia. Mas o
cenário aponta para a derrota do bolsonarismo - ainda que por margem mais
estreita do que gostaríamos de ver.
Rui Costa e Jerônimo (Foto: Internet)
Candidato do PT teve mais do dobro dos votos de ACM Neto: 17.363 (66,79%)
x 7.855 (30,22%)
Por Jadson Oliveira (jornalista) - editor deste Blog Evidentemente - em 05/outubro/2022
Cumpriu-se a previsão: Jerônimo Rodrigues
(PT), apoiado por Lula e pelo governador Rui Costa, foi amplamente vitorioso no
município de Seabra, no coração da Chapada: obteve 17.363 votos (66%), enquanto
ACM Neto (União Brasil) ficou nos 7.855 (30%).
O apoio do prefeito Fábio Lago Sul ao
ex-prefeito de Salvador, anunciado três semanas antes da votação, mostrou ter
sido energicamente reprovado pelos eleitores.
Não por acaso a maioria dos seabrenses tinha
lançado contra o prefeito a pecha de “traidor” e “ingrato”, diante da atitude
de Fábio depois do município ter sido beneficiado por inúmeras obras do governo
petista.
A incompetência política do prefeito e o
consequente desgaste ficaram comprovados nas urnas, como já tinha sido
alardeado pelo governador, pelos dirigentes petistas locais e por outras
lideranças, a exemplo do deputado federal Jorge Solla (PT), reeleito e um dos
mais votados no município (2.271 votos).
Tal desgaste, aliás, ficou claro logo após a
troca de lado do prefeito: o seu vice, Marlon Leite, anunciou que mantinha seu
posicionamento ao lado de Jerônimo; e o próprio Fábio, para tentar ficar bem
com o povo, anunciou que continuaria apoiando Lula, apesar de não apoiar seu
candidato a governador na Bahia.
No próximo dia 30, no 2º. turno, lideranças do
governo baiano e do PT de Seabra não têm dúvidas de que Jerônimo ampliará,
ainda mais, sua vantagem sobre Neto.
Não só em Seabra, mas também no total do
estado, onde o candidato do PT chegou a 49,45% dos votos (ACM Neto teve 40,80%):
faltou menos de 1% para Jerônimo vencer no 1º. turno.
Registrando o placar, para presidente, em
Seabra: Lula – 22.505 votos (83,85%) x Bolsonaro – 3.397 (12,66%).
“Vocês estão perdendo o tempo aqui, eu e minha família, todo mundo aqui
já vota em Lula”(Foto: Internet)
Por Jadson Oliveira
(jornalista) – editor deste Blog Evidentemente – em 27/09/2022
“É fácil pedir voto pra Lula, todo mundo gosta
dele”, me diz um senhor de uns 70 anos, sentado num tamborete em frente duma
casa comercial na pracinha principal do povoado de Lagoa da Boa Vista,
município de Seabra, na Chapada, interior da Bahia. Boa recepção a um pequeno
grupo de militantes que fazia campanha para “o time de Lula”, a menos de duas
semanas da votação.
É fácil, é estimulante. É de atiçar os
sentimentos ver uma garota de seus sete anos pedir uma estrela do PT e ficar
extasiada ao receber, colar no peito e sair sorrindo pela boca e pelos olhos,
como se acabasse de ganhar um presente realmente precioso. Certamente o foi,
procuremos nós entender o valor simbólico daquilo para uma garotinha do
interior do Nordeste brasileiro!
Tais manifestações são quase unanimidade.
Mesmo com a existência dos chamados “cabos eleitorais”, que têm compromissos os
mais diversos com determinadas lideranças políticas - às vezes velhos “caciques”
- a troco de serviços e mesmo da famigerada “compra de voto”. Ainda,
infelizmente, uma instituição que viceja impunemente numa sociedade marcada
pela desigualdade social.
Mas, “Lula é Lula”, como a gente diz. Até os velhos
e novos “caciques” se dizem lulistas, sinceramente ou não. Afinal, eles não
querem se arriscar a contrariar o coração do povo e perder votos para seus
candidatos que realmente lhes importam, gente que despreza o povo e se
acostumou a mamar no dinheiro público.
Lula é diferente. Apesar de caluniado anos
seguidos pela TV Globo, a mando dos gordos capitalistas seus patrões, Lula cada
vez mais mora no coração das pessoas simples do interior, do pequeno
agricultor, do pequeno comerciante, do trabalhador...
Os militantes – incansáveis sonhadores, às
vezes chamados de visionários ou idealistas - vão se acercando para distribuir
os “santinhos” e se surpreendem, alegremente, diante da reação do
povo:
- Vocês estão perdendo o tempo aqui, eu e
minha família, todo mundo aqui já vota em Lula.
- A gente aqui só vota no homem que defende os
pobres.
- Vocês me desculpem, vou ser logo sincero,
não adianta me pedir voto, eu tô com Lula, eu e o pessoal aqui, disse um jovem
trabalhador – daria a ele em torno de 23 anos – sentando no chão, logo após
encostar a enxada pra nos atender, nas proximidades do povoado.
Pintou um dizendo-se ainda na dúvida e
pintaram dois dizendo-se bolsonaristas. Casos raríssimos. A maioria esmagadora
é Lula. Apesar da desgraceira esparramada pelo país por Bolsonaro e seus seguidores,
nesses quase quatro anos, a grande maioria teima em ressuscitar a esperança.
Candidato petista ao governo chega ao empate técnico, pela pesquisa Atlas/Intel; e encurta 17 pontos a distância para o adversário, pelo DatafolhaJerônimo e Lula (Foto: Internet)
Por Jadson Oliveira (jornalista) - editor deste Blog Evidentemente - artigo publicado no site Brasil 247 em 16/09/2022
Depois de amargar grande distância em pesquisas eleitorais diante do principal adversário – o ex-prefeito de Salvador ACM Neto (União Brasil, ex-DEM) –, na disputa para o governo da Bahia, o petista Jerônimo Rodrigues já está desfrutando de um confortável empate técnico, no primeiro turno: 40,3% contra 40,8% de ACM, segundo os números da última pesquisa AtlasIntel/jornal A Tarde, divulgados hoje, dia 15.
(O terceiro nome na corrida é o bolsonarista João Roma, do PL, que tem apenas 12,3% das intenções de voto. ACM Neto, matreiramente, foge como o diabo da cruz de ter seu nome associado ao de Bolsonaro. E não fala mal do ex-presidente Lula, diz que “tanto faz” quem seja o próximo presidente).
Uma das pesquisas anteriores, do mesmo instituto, divulgada em 17 de julho, já anunciava o bom desempenho do petista: no primeiro turno, Jerônimo aparecia com 32,6% das intenções de voto contra 39,7% de ACM Neto.
Tal façanha, claro, veio a partir da colagem do nome de Jerônimo, inicialmente um ilustre desconhecido do eleitorado (nunca tinha sido candidato a qualquer mandato eletivo), ao do ex-presidente Lula e também ao do governador Rui Costa, do PT, cuja gestão ostenta boa avaliação.
ACM Neto, ao contrário, é superconhecido na Bahia (e no Brasil). Como o nome está indicando, é neto do velho ACM (Antônio Carlos Magalhães), que mandou e desmandou na Bahia durante mais de três décadas (1970 a 2006). Foi, de fato, uma espécie de vice-rei da ditadura militar.
Mesmo em pesquisas de outros institutos, com números bem diferentes – devido a critérios diversos, como a menção clara, ou não, do apoio de Lula na hora da pergunta ao entrevistado -, o crescimento rápido da candidatura de Jerônimo é patente.
É o caso, por exemplo, das duas rodadas de pesquisa do Datafolha, encomendada pela rádio baiana Metrópole. Da primeira rodada para a última, cujo resultado foi divulgado ontem, dia 14, Jerônimo conseguiu encurtar a distância para ACM Neto em 17 pontos (em apenas três semanas – a primeira foi divulgada no último dia 24):
De uma para a outra, o ex-prefeito de Salvador perdeu cinco pontos e tem agora 49% das intenções de voto, contra 28% do petista, que subiu 12 pontos em relação à rodada anterior. (O placar ficou, portanto, em 49% para Neto e 28% para Jerônimo. João Roma aparece com 7%).
Ao avaliar os números do Datafolha, Rui Costa lembrou a virada que representou sua vitória quando foi eleito pela primeira vez, em 2014.
Contou que faltando pouco mais de uma semana para o dia da votação, o Ibope (o instituto de pesquisa mais badalado na época) registrava 43% para Paulo Souto (ex-governador, o quadro mais forte do carlismo, do velho ACM) contra 27% para ele, Rui, então candidato do então governador Jaques Wagner (atual senador do PT).
“Faltando mais de duas semanas para a eleição, Jerônimo já está acima do patamar que eu tinha faltando uma semana. E eu ganhei no primeiro turno”, disse o governador, conforme declarações dadas ao jornal baiano A Tarde.
Outras lideranças do PT na Bahia, a exemplo do deputado federal Jorge Solla, acreditam também que a virada será uma consequência natural: “Jerônimo tem bons padrinhos políticos”, diz Solla, referindo-se a Lula e Rui Costa.
O “efeito Lula” é o que impulsiona tanto otimismo. Muitos inclusive esperam ganhar já no primeiro turno. O peso da influência do ex-presidente parece compreensível: pesquisas apontam que Lula, na Bahia – bem como em outros estados nordestinos -, no primeiro turno, tem mais de 60% da preferência dos eleitores, contra apenas cerca de 20% de Bolsonaro.
Porque, além da virada de 2014 mencionada por Rui Costa, os militantes políticos da Bahia não esquecem a virada histórica de 2006, quando Jacques Wagner foi eleito governador pela primeira vez, enterrando o “reinado” de ACM. (Não esquecer que o antigo “cacique” era ainda vivo).
Parece o começo de uma tradição inaugurada na história recente da Bahia. Wagner tinha passado toda a campanha eleitoral amargando derrota avassaladora nas pesquisas para o candidato do então poderoso ACM, o mesmo Paulo Souto – então do PFL, que virou DEM, que virou União Brasil - derrotado por Rui em 2014.
Na noite de 1º. de outubro de 2006 (domingo de eleição), a grande surpresa (para todos habituados a confiar nas pesquisas): a contagem dos votos apontou a vitória de Wagner no primeiro turno.
Os petistas de Salvador inundaram o largo de Santana (conhecido também como largo da Dinda), no Rio Vermelho (bairro boêmio da capital baiana), onde costumam festejar suas vitórias (e chorar suas derrotas).
Foi uma noite de festa inesquecível não só para os petistas, mas para grande parte dos baianos que acalentou por décadas o sonho de varrer para a lixeira da história os tempos autoritários do “coronel” ACM (ex-prefeito de Salvador, ex-governador (duas vezes) - cargos nomeados pela ditadura -, ex-governador - terceiro mandato, desta vez eleito, em 1990 - ex-presidente da Eletrobrás, ex-senador, ex-presidente do Congresso Nacional, ex-ministro das Comunicações).
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Lula e Jerônimo: Seabra recebe amanhã, quinta, caravana comandada pelo governador (Foto: Internet) |
Por Jadson Oliveira (jornalista)
– editor deste Blog Evidentemente – em 21/09/2022
Tudo indica que o prefeito de Seabra, Fábio
Lago Sul, do PP, deu um tiro no pé ao mudar de lado quase às vésperas da
votação, passando a apoiar ACM Neto, do União Brasil, na disputa do governo da
Bahia.
Este é o tempero mais picante da eleição em
Seabra, no coração da Chapada, cuja campanha está na sua penúltima semana.
A “traição”
do prefeito, como tachou a direção municipal do PT, terá a resposta mais
contundente amanhã, dia 22, quando o governador Rui Costa, com a caravana do
“time de Lula”, fará comício na cidade.
Em companhia, claro, de Jerônimo Rodrigues, do
PT, e Otto Alencar, do PSD, candidatos ao governo e ao Senado, e de deputados e
outras lideranças lulistas.
Em entrevista à Rádio Nova FM, de Seabra, dada
logo em seguida ao anúncio do rompimento do prefeito, na semana passada, o
governador já deu o tom da sua reação:
Acusou Fábio de mentir e caluniar o seu
governo para tentar justificar a troca de lado e se disse indignado, citando
detalhadamente dezenas de obras realizadas pelo governo do estado no município,
em especial na área de saúde.
Sem mencionar o nome do deputado Cláudio
Cajado, do PP, Rui Costa fustigou o prefeito lembrando suas ligações com políticos
bolsonaristas, acostumados às práticas abusivas e clientelistas do Centrão e do
Orçamento Secreto.
Antes da entrevista do governador, o deputado
federal Jorge Solla, do PT, soltou nas redes sociais um vídeo com duras
críticas à posição tomada por Fábio, destacando melhorias obtidas pela
população seabrense através da gestão do estado e também através de emendas
parlamentares.
O prefeito, aliás, parece que já tinha sentido
seu desgaste, agravado a cada dia, segundo analistas, por sua incompetência política:
ainda na semana passada, ele teve o cuidado de anunciar que continuava apoiando
o ex-presidente Lula na disputa pela Presidência, apesar de ter rompido com o
governador.
Mas o estrago já estava feito: o vice-prefeito
Marlon Leite (filho do ex-prefeito Dálvio Leite, líder de tradicional grupo
político do município) já tinha anunciado que, apesar da posição do prefeito,
ele continuava engajado na campanha de Jerônimo, além da de Lula e Otto.
E para completar, o comício feito em Seabra,
na última sexta-feira, por ACM Neto, o novo candidato do prefeito, não atraiu
um grande público.
Vamos ver o poder de mobilização do chamado
“efeito Lula” e do governador no comício de Jerônimo, amanhã, quinta-feira. As
comparações serão inevitáveis.
Osvaldo Laranjeira: "É essencial e vital para a economia brasileira uma reformulação abrangente do Sistema Financeiro Brasileiro" (Foto: Smitson Oliveira)
Mais um “fragmentos” sobre
o pré-programa de governo da chapa Lula-Alckmin:
O caminho deve ser a criação de bancos cooperativos, comunitários, moedas sociais, fundos rotativos, ONGs de microcrédito, pequenos bancos regionais, municipais e outras modalidades de FINANÇAS SOLIDÁRIAS
Por Osvaldo Laranjeira – militante petista, ex-presidente do Sindicato dos Bancários da Bahia – em agosto/2022 (título e destaques acima, bem como a definição dos parágrafos, são deste blog)
FRAGMENTOS DE UM DISCURSO MILITANTE - II
Aqui, comento a Diretriz de número 80 das importantíssimas DIRETRIZES PARA O PROGRAMA DE RECONSTRUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DO BRASIL, que é um pré-programa de Governo da chapa Lula-Alckmin. O Documento diz o seguinte:
80. FORTALECEREMOS TAMBÉM OS BANCOS PÚBLICOS - COMO BB, CEF, BNDES, BNB, BASA E A FINEP - EM SUA MISSÃO DE FOMENTO AO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, SOCIAL E AMBIENTAL E NA OFERTA DE CRÉDITO A LONGO PRAZO E GARANTIAS EM PROJETOS ESTRUTURANTES, COMPROMISSADOS COM A SUSTENTABILIDADE FINANCEIRA DESSAS OPERAÇÕES.
Muito bom revigorar e ampliar a atuação das instituições financeiras públicas já existentes, assim como, criar novas instituições que podem ser menores e mais próximas das comunidades, tais como bancos municipais e bancos estaduais.
Fortalecer os bancos públicos, portanto, é medida necessária, mas não suficiente. Pois, há tempos que, como diz o ex-deputado federal Hermes Zaneti em seu livro O Complô: "o Sistema Financeiro Brasileiro e seus agentes políticos sequestraram a economia brasileira", se transformando numa fonte brutal de transferência de renda de toda a população para o setor financeiro, tanto pela cobrança de altíssimas taxas de juros como através da Dívida Pública - os Bancos são os maiores detentores dos Títulos Públicos Federais.
Com a financeirização (ganhos improdutivos por meio de aplicações financeiras e especulativas) esse processo ficou simplesmente devastador: especulação em detrimento da produção.
Temos um Sistema Financeiro que se caracteriza pela obtenção de lucro acima de tudo e de todos, que cobra preços abusivos, esfola os clientes e que, como intermediário financeiro, destruiu a finalidade social do dinheiro, pois que se apropria vergonhosamente do excedente social na forma de altíssimas taxas de juros e tarifas escorchantes, além de dificultar o acesso ao crédito.
Deste modo, é essencial e vital para a economia brasileira uma reformulação abrangente do Sistema Financeiro Brasileiro para este servir às necessidades dos municípios, das comunidades, das famílias e da economia solidária, abrindo espaço para a construção das FINANÇAS SOLIDÁRIAS. Não faz bem para a economia, no seu conjunto, um Sistema Financeiro que goza de total liberdade de atuação, garantida pelos seus agentes políticos nos Governos e no Congresso Nacional.
Uma tentativa de regulação do Sistema Financeiro Brasileiro com o Artigo 192 da Constituição Federal foi totalmente frustrada, uma vez que o referido Artigo foi esvaziado e transformado numa declaração de princípios estéreis, conforme Zaneti.
Nosso Partido poderia muito bem, para além do apoio ao Governo Lula, atuar firmemente com o objetivo de propor para a Sociedade uma proposta de uma Reforma Bancária que tenha no horizonte uma intermediação financeira voltada para o reinvestimento dos ganhos financeiros na produção, e não voltada para os Paraísos Fiscais.
O Brasil precisa de um Sistema Financeiro democrático com um marco regulatório que abra possibilidades de criação de Bancos Cooperativos, Bancos Comunitários de Desenvolvimento (com captação de poupança), Moedas Sociais, Fundos Rotativos Solidários, ONGs de microcrédito, pequenos Bancos Regionais, Bancos Municipais e outras modalidades de FINANÇAS SOLIDÁRIAS.
O primeiro “fragmentos” foi postado aqui neste blog em 30/07/2022.
Gustavo Petro (ao centro, com microfone) e sua vice Francia Márquez (negra, batendo palmas) (Foto: reproduzida do Nodal)
Os desafios que o novo
governo deverá enfrentar não têm precedentes em nenhum lugar do mundo.
Antes de tudo deverá priorizar o cumprimento do Acordo de Paz feito com as FARC (maior grupo guerrilheiro do país), completamente desrespeitado durante o período presidencial de Iván Duque.
A violência política não foi reduzida desde o triunfo eleitoral do PH (Pacto Histórico, coligação vencedora da eleição colombiana). Pelo contrário...
O programa econômico do PH supõe profundas transformações da estrutura econômica tradicional do país.
Um dos aspectos mais destacados do programa do PH é a reforma agrária que dará acesso à terra aos camponeses sem-terra e expulsos de suas casas. Na Colômbia 46% da terra rural está nas mãos de 0,4% da população.
Na área social, o programa
do Pacto Histórico supõe uma grande reviravolta quanto ao modelo neoliberal
imperante.
O novo governo se propõe a implantar uma renda básica, o chamado Ingreso Mínimo Vital (Renda Mínima Vital), e gerar planos de emprego público para todo aquele que necessite por estar desempregado.
(Reproduzido do portal Nodal – Notícias da América Latina e Caribe)
Algunos
desafíos del gobierno del Pacto Histórico – Por Eduardo Giordano*
En 08/08/2022
Este 7 de agosto tomó posesión el primer gobierno progresista de la
historia de Colombia, presidido por los dirigentes del Pacto Histórico Gustavo
Petro y Francia Márquez. Los colombianos votaron con el fin de superar una
larga y enconada historia de violencia política y crueldad institucional, para
convertir al país en una “potencia mundial para la vida”.
Los partidos y movimientos sociales de izquierda, la juventud movilizada
durante el paro nacional y un entramado territorial de poblaciones
tradicionalmente excluidas —indígenas, afrocolombianos…—, constituyeron el
sustrato de este cambio político que vino a confrontar a las élites
tradicionales y a desbaratar sus mecanismos de poder.
El triunfo electoral de la coalición progresista del Pacto Histórico
(PH) es una verdadera hazaña en un país cuyos gobernantes siempre se creyeron
blindados contra un eventual triunfo de la izquierda. La campaña estuvo minada
de dificultades y riesgos para los candidatos de esta fuerza, amenazados
constantemente por grupos paramilitares. El historial de asesinatos de
candidatos presidenciales progresistas con el que cuenta el país no permitía
tomar esas amenazas a la ligera.
No obstante, el resultado fue favorable al PH en la primera vuelta con
más del 40 % de los votos, 12 puntos por encima del siguiente candidato, el
populista de derecha Rodolfo Hernández. En la segunda vuelta el PH obtuvo
mayoría absoluta, sobrepasando el 50 % de los votos, frente al 47 % de su
adversario y con una diferencia de 700.000 sufragios.
Si el triunfo electoral de la izquierda puede considerarse una auténtica
proeza en un contexto tan hostil, mucho mayor es la hazaña de gobernar el país
y cumplir con los objetivos propuestos a los electores.
Consciente de la dificultad de la tarea que se avecina, la fórmula
presidencial triunfadora se entregó al día siguiente de la victoria electoral a
contactar con otras fuerzas políticas y articular las alianzas necesarias para
poder aprobar reformas en un Congreso fragmentado, donde el PH se ha convertido
en la fuerza mayoritaria tras las últimas elecciones, pero numéricamente
insuficiente para aprobar leyes y diseñar políticas sin contar con amplios
apoyos parlamentarios.
En la mirada estratégica de Gustavo Petro, la construcción de un Estado
no dominado por las mafias del narcotráfico y la parapolítica, sensible a las
necesidades de la población, requiere en este momento histórico del país sumar
sectores que hasta ayer hicieron campaña en su contra.
El apoyo del 50 % de la población que lo eligió sería insuficiente para
acometer los cambios que se avecinan, y ha abierto las puertas de la coalición
a formaciones de centro y derecha como el Partido Liberal, el Partido
Conservador y el Partido de la U, acordando el carácter rotatorio de la
presidencia del Senado y de la Cámara de Representantes con los nuevos aliados.
Los acuerdos han supuesto también concesiones a los nuevos socios en algunos
cargos del ejecutivo.
Esta estrategia ya dio un primer resultado tras la conformación del
nuevo Congreso, que se constituyó el pasado 20 de julio. Apenas seis días más
tarde el Senado ratificó por amplia mayoría el Acuerdo de Escazú, un
instrumento básico para alcanzar un desarrollo sostenible y combatir el cambio
climático, dos aspectos fundamentales del plan de gobierno del PH. Sólo votaron
en contra los senadores del Centro Democrático y de Cambio Radical, partidos
que boicotearon la aprobación de este acuerdo durante el período presidencial
de Iván Duque.
Otro gesto político revelador fue la asistencia de varios congresistas
del PH a la Cumbre de los Pueblos Originarios convocada en Silvia, Cauca, por
las siete organizaciones indígenas más representativas.
Entre los resultados de esta cumbre, las delegaciones de los pueblos
indígenas de toda Colombia concluyeron: “Participaremos en esta era de
transición y Cambio por la Vida, bajo un relacionamiento de gobierno a
gobierno, con propuestas estructurales que permitan la materialización de
nuestros derechos y la transformación del país”. A fin de articular esfuerzos
para hacer efectivos estos cambios, “la Cumbre ha dispuesto una comisión de
interlocución directa” con el presidente Gustavo Petro.
El cambio ha llegado en primer lugar a desbaratar las viejas formas de
la conducción política de los asuntos que afectan a las comunidades. El
paternalismo verticalista de los sucesivos gobiernos derechistas quedaría así
sustituido por un diálogo horizontal, del gobierno nacional con las autoridades
locales, para atender sus reclamos y determinar sus necesidades.
Los retos
Los retos que deberá afrontar el nuevo gobierno no tienen precedentes en
ningún lugar del mundo. Ante todo deberá priorizar el cumplimiento del Acuerdo
de Paz con las FARC, “hecho trizas” durante el período presidencial de Iván
Duque. La nueva política de seguridad deberá proveer la protección adecuada a
los ex combatientes de la guerrilla reincorporados a la vida civil y acabar con
los grupos paramilitares causantes de las continuas masacres y los asesinatos
de líderes sociales.
La violencia política no ha mermado desde el triunfo electoral del PH.
Por el contrario, hasta el 12 de julio la cifra se ha incrementado respecto al
año 2021, según datos de Indepaz, hasta un total de 108 asesinatos de líderes
sociales y defensores de derechos humanos (incluidos 25 líderes indígenas), 53
masacres con 185 muertos y 28 asesinatos de firmantes del Acuerdo de paz. Al
mismo tiempo, el Cartel del Golfo ha asesinado a 30 agentes de la fuerza
pública durante el primer semestre de este año, dejando una vez más al
descubierto el fracaso de la política de seguridad de Iván Duque.
El programa económico del PH supone profundas transformaciones de la
estructura económica tradicional del país. El gobierno presidido por Gustavo
Petro deberá cumplir con su ambicioso plan de “desfosilización” de las
exportaciones colombianas (reducir el peso del petróleo y el carbón), concentrándose
en cambio en el desarrollo de tres pilares básicos de la economía abandonados
por los anteriores gobiernos: la agricultura, la industria y el conocimiento,
además de potenciar el turismo con un entorno pacífico.
En cuanto a la desfosilización de la economía, no se trata de
interrumpir los ingresos que el país percibe por exportaciones de productos
energéticos, que representan entre un tercio y la mitad del total, sino de
suspender la exploración y adjudicación de nuevos yacimientos, mientras se van
incorporando gradualmente energías renovables para atender el consumo interno.
El nuevo gobierno colombiano ya ha declarado que impedirá la explotación
de hidrocarburos con tecnología de fracking, un viejo reclamo de las
comunidades para proteger sus acuíferos. Uno de los aspectos más destacados del
programa del PH es la reforma agraria que dará acceso a la tierra a los
campesinos desplazados y desposeídos. En Colombia el 46% de la tierra rural
está en manos del 0,4 % de la población.
En el plano social, el programa del Pacto Histórico supone un gran
vuelco con respecto al modelo neoliberal imperante. Actualmente la informalidad
laboral afecta al 62 % de la población económicamente activa y hay tres
millones de desempleados, según datos de la Central Unitaria de Trabajadores.
Sólo una tercera parte de los trabajadores activos, unos ocho millones, cotiza
a la Seguridad Social. El nuevo gobierno se propone instaurar una renta básica,
o Ingreso Mínimo Vital, y generar planes de empleo público para todo aquel que lo
necesite por estar desocupado.
Unidad en la diversidad de América Latina
En política exterior se producirá un importante cambio de rumbo, aunque
este cambio resulte poco perceptible al comienzo en las relaciones con Estados
Unidos. En el transcurso del gobierno del Pacto Histórico se deberán redefinir
las formas de colaboración entre ambos país, desde la política de seguridad
hasta la estrategia antinarcóticos.
Una cuestión que en el futuro puede tensar la relación con el gobierno
estadounidense es la permanencia o no de las bases militares de ese país en
territorio colombiano y, en caso de acordarse su permanencia, con qué misión
específica. Pero esta cuestión no es un debate que se vislumbre en el corto
plazo.
Respecto a los maltrechos vínculos con los vecinos venezolanos, la
política exterior de Petro revertirá la tensión conflictiva que mantuvo Duque
durante todo su mandato, obsesionado con el acoso y derribo del gobierno de
Nicolás Maduro. En contraste con la inacción característica del gobierno de Duque,
el nuevo gobierno de Colombia ya emprendió su actividad diplomática incluso
antes de haber tomado posesión.
El 28 de julio se reunió en la ciudad de Táchira (Venezuela) el nuevo
ministro de Relaciones Exteriores designado por Gustavo Petro, Álvaro Leyva,
con el ministro venezolano de Exteriores, Carlos Faría. Ambos suscribieron un
acuerdo para “la normalización gradual de las relaciones binacionales a partir
del 7 de agosto” con el nombramiento de embajadores y demás funcionarios del
servicio diplomático, al mismo tiempo que reafirmaron su “voluntad de hacer
esfuerzos conjuntos para garantizar la seguridad y la paz en la frontera”.
Mientras tanto, la vicepresidenta Francia Márquez realizó una gira por
otros países sudamericanos, tejiendo lazos con las figuras más destacadas de
los movimientos populares que aspiran a un cambio de hegemonía política en la
región. Márquez se reunió en Brasil con el candidato (y ex presidente) Lula da
Silva, en Chile con el presidente Gabriel Boric, en Argentina con Alberto Fernández
y la vicepresidenta Cristina Kirchner, y por último conversó en Bolivia con el
vicepresidente David Choquehuanca y con el líder histórico del MAS, el
expresidente Evo Morales.
Francia Márquez escribió en sus redes sociales después de esta última visita:
“Hoy la lucha del pueblo boliviano y colombiano se junta para reconocer en la
diferencia una Latinoamérica unida y soberana”.
Emerge así un nuevo enfoque de las relaciones internacionales, en
particular entre los países latinoamericanos, basado en la “unidad en la
diversidad”. Colombia no sólo aspira a cambiar su destino para revertir su
trágica historia nacional y empezar a vivir sabroso: también sería un actor
fundamental para el cambio de equilibrios de poder en el plano continental.
*Periodista, traductor y escritor, coautor de diversas obras de
investigación: Europa en el juego de la comunicación global, Políticas de
televisión, ambas en colaboración con Carlos Zeller. También es coautor de la
obra colectiva Las mentiras de una guerra: desinformación y censura en el
conflicto del Golfo
Brasil é extremamente
violento com a esquerda, neoliberalismo está fora do espírito do tempo e
capitalismo representa o velho, afirma rapper do Ceará."Coloquei o desafio de imaginar o fim do capitalismo, e não o fim do mundo”, disse rapper de Fortaleza no programa SUB40, do site OPERA MUNDI, do último dia 21 (Reprodução/Twitter/@joaoinvictor)
São
Paulo (Brasil)
22 de jul de 2022
(Reproduzido
do site OPERA MUNDI)
O
rapper de Fortaleza (embora nascido em Brasília) Don L afirma que sua música
representa uma reação ao discurso liberal que ele via no hip-hop, de celebração
de conquistas individuais, e não coletivas.
"Coloquei
o desafio de imaginar o fim do capitalismo, e não o fim do mundo”, ele resume
seu álbum mais recente, Roteiro para Aïnouz Volume Dois,
em conversa com o jornalista Breno Altman no programa SUB40 desta
quinta-feira (21/07).
Trata-se
de uma maneira de inverter o tom derrotista tantas vezes adotado no Brasil, no
rap ou fora dele: “a gente gosta da distopia. Todo mundo fica gozando com a
distopia, falando da merda em que estamos vivendo. Eu quis falar de vitória,
dentro de uma perspectiva coletiva, não individual”.
Assim,
o álbum tenta imaginar um Brasil pós-revolucionário, socialista e vitorioso,
com “lastro e pé na realidade, mesmo quando cria utopias”. Seu ponto de partida
é um autoquestionamento: nossos sonhos são realmente nossos ou são sonhos da
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Questionado
por Altman se o mercado pode "amansar" o rap, ele responde que isso
já tem acontecido, não só com o rap, e encontra na política uma possível
explicação: “o Brasil exterminou fisicamente boa parte da esquerda. Não houve
um julgamento disso, e a gente segue perdendo grandes lideranças assassinadas
toda semana. Este país é extremamente violento com a esquerda. Fala-se que é
uma democracia, mas até hoje não vi lideranças de direita ser assassinadas no
nosso país”.
O
resultado, argumenta, é uma esquerda muito contida, acossada por medos
fundamentados e mais propensa à conciliação, o que se reflete na música e na
cultura.
“O
que a esquerda não fez é o que a direita diz que a esquerda fez e a gente
deveria ter feito, que é o marxismo cultural”, provoca. “Só dois partidos têm
pautas que considero realmente de esquerda, o Partido Comunista Brasileiro
(PCB) e a Unidade Popular (UP), mas, no contexto em que estamos, vou acabar
votando no Lula mesmo, porque o momento pede para a gente fazer isso”, decifra.
Para
Don L, a eventual posse de Lula para um terceiro governo será o começo grandes
novos problemas: “O Brasil precisa ser refundado. Lula fez grandes coisas, não
diminuo sua história, mas tem coisas que são inconciliáveis. Precisamos tirar
um pouco dessa burguesia sanguessuga que está aí desde que o Brasil foi fundado
como um experimento colonial. Precisamos ter grandes sonhos".
Trilha da revolução
O rapper defende que a música popular brasileira, e não especificamente
o rap, é a trilha sonora da revolução no país. “O samba é muito importante. O
funk é uma música eletrônica original brasileira, considero que é hip-hop
também. A diversidade da música popular brasileira é a trilha da revolução”,
concilia.
Don L contesta, por fim, a ideia de que conceitos como revolução,
comunismo ou luta de classes estejam ultrapassados em 2022. “Isso é o que os
liberais querem fazer a gente acreditar. Não tem nada mais fora do espírito do
tempo que o neoliberalismo. O capitalismo é que é o velho. O próprio planeta
não aguenta mais viver com esse modo de produção. É socialismo ou barbárie,
mesmo. A distopia é legal para quem está no poder usufruindo da desigualdade
extrema.”
O neoliberalismo não o convence a cravar outro ídolo político que não
seja o cubano Fidel Castro: “a gente tem uma mania de derrotismo na esquerda,
mas Fidel conseguiu, com uma ilhazinha desse tamanho, ali na boca do império
querendo matar ele a vida inteira, construir uma experiência com seu coletivo,
e o cara morreu de velho. É o maior de todos os tempos”.
Estabelecido na cidade de São Paulo desde 2014, o rapper que veio do
Ceará se emociona com as fotos da tomada de Havana por Fidel, em 1959,
especialmente aquelas que mostram guerrilheiros dando voz de prisão à polícia.
Para ver o vídeo da entrevista, na íntegra, entre no Opera Mundi. Segue o link: https://operamundi.uol.com.br/sub40/75754/don-l-meu-desafio-e-imaginar-o-fim-do-capitalismo
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Osvaldo Laranjeira: considerações sobre diretrizes do provável Governo Lula (Foto: Smitson Oliveira) |
Por Osvaldo Laranjeira – militante
político, ex-presidente do Sindicato dos Bancários da Bahia – em julho/2022
(título e destaque acima, bem como a definição dos parágrafos, são deste blog)
FRAGMENTOS DE UM DISCURSO MILITANTE - I
Começo estes Fragmentos fazendo pequenas considerações sobre algumas das recém publicadas Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil, as quais constituirão o Programa do Governo Lula (se ele ganhar as eleições, claro). Como o terceiro mandato de Lula será também um Governo de coalizão, muito provável que - e aqui menciono uma circunstância atenuante, do ponto de vista e dos desejos de um militante petista - muitas limitações na aplicação do Programa acontecerão.
A Diretriz que modestamente comento é a de número 60 que assim diz:
"Como a renda familiar dos brasileiros e brasileiras desabou e o endividamento das famílias explodiu, já são mais de 66 milhões de pessoas inadimplentes, vamos promover a renegociação das dívidas das famílias e das pequenas e médias empresas por meio dos bancos públicos e incentivar os bancos privados para oferecer condições adequadas de negociação com os devedores. Avançaremos na regulação e incentivaremos medidas para ampliar a oferta e reduzir o custo do crédito".
Creio ser uma
medida urgente, após a posse de Lula. Pois, de fato, as pessoas, os
trabalhadores, as famílias, assim como as pequenas e microempresas estão
quebradas em níveis alarmantes. Graças ao comprometimento, de parte
crescente dos seus orçamentos, com o pagamento dos serviços decorrentes do
endividamento financeiro, conforme Márcio Pochmann. Ou seja, quase todo mundo
está "pendurado" nos Bancos ou no crediário.
Isto é muito
ruim, tanto para a população quanto para a Economia, uma vez que, quando as
pessoas se endividam muito, compram pouco. Sobra mês e falta salário. O efeito
demanda fica travado. Se cerca de ⅕ da renda das pessoas está
destinado ao pagamento de despesas financeiras (juros, tarifas, etc) ocorre, de
fato, uma real transferência de renda da população para os banqueiros. Como diz
o Prof. Ladislau Dowbor, "o brasileiro trabalha muito, mas os resultados
são desviados das atividades produtivas para a chamada ciranda financeira, que
não reinveste na economia".
Uma das causas
dessa situação são as altíssimas taxas de juros cobradas pelo SISTEMA
FINANCEIRO BRASILEIRO. Quem precisa recorrer às linhas de crédito existentes,
tais como Cartão de Crédito, Crediário (Comércio), Cheque Especial, CDC -
Bancos (financiamento de automóveis), Empréstimo Pessoal nos Bancos e
Empréstimo Pessoal nas Financeiras, paga uma Taxa de Juros para Pessoa
Física, em Maio/2022, em média de 117,27 % a.a., conf. a ANEFAC (Associação
Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade).
Tão
catastrófica quanto, é a situação das 5,5 milhões de Micro e Pequenas Empresas,
cuja inadimplência bate recorde com a alta da inflação e juros altíssimos,
conf. o G1 (Globo), que traz a seguinte conclusão a respeito das famílias:
"endividamento e inadimplência batem novo recorde em abril: muitas delas
tiveram que recorrer a empréstimos com instituições financeiras para sobreviver
durante a pandemia, e agora estão tendo dificuldades para pagar as
parcelas". O pior está por vir, pois as taxas de juros vêm crescendo mês a
mês.
O resultado
dessa situação excludente e escorchante para a população é o enriquecimento
fácil de banqueiros e rentistas (Os 5 maiores bancos brasileiros - Banco do
Brasil, CEF, Bradesco, Itaú e Santander - lucraram, no ano de 2021, mais de 94
bilhões de reais. Dinheiro que não é revertido para a produção social).
Renegociar as dívidas, aumentar a oferta de crédito, baratear as taxas de juros
são medidas corretas e necessárias. É preciso enfrentar estruturalmente a
agiotagem praticada pelos intermediários financeiros de forma prioritária. Isso
para, conforme Ladislau Dowbor, colocar a economia brasileira nos trilhos.
Temos um
Sistema Financeiro que está na contramão das necessidades da população
brasileira, sobretudo dos mais pobres. Lutar por um Sistema Financeiro contra-hegemônico
se faz necessário. Já temos um horizonte que são as FINANÇAS SOLIDÁRIAS,
democráticas, sustentáveis, sem agiotagem e voltadas para o desenvolvimento das
comunidades.
(Conforme indica a numeração, virão outros “fragmentos”)
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Lula participou dos festejos do último 2 de Julho, em Salvador, ao lado de Jerônimo |
Por Jadson Oliveira
– jornalista, editor deste Blog Evidentemente - em 26/07/2022
A última pesquisa Quaest/Genial mostra que o
candidato ao governo da Bahia pelo PT, Jerônimo Rodrigues, salta de 11% para
38% das intenções de voto quando é apresentado ao eleitorado como aliado do
ex-presidente Lula.
Antes do eleitor conhecer o apoio de Lula, ACM
Neto (União Brasil, ex-DEM) chegava a 61% das intenções. Depois, o placar muda drasticamente de 61 x 11 para 43 x 38. Jerônimo sobe para 38% e Neto cai para 43%.
A influência do ex-presidente é compreensível:
pesquisa do mesmo instituto aponta que Lula, na Bahia, no primeiro turno, tem
62% da preferência dos eleitores, contra apenas 19% de Bolsonaro.
O nome de Jerônimo, ainda pouco conhecido, é
reforçado ainda pelo apoio de Rui Costa, cujo governo é muito bem avaliado
pelos baianos, principalmente no interior do estado.
O diretor da Quaest, Felipe Nunes, não tem
dúvida: o "efeito Lula" já está impactando a candidatura de Jerônimo.
Uma outra pesquisa – da
AtlasIntel/jornal A Tarde -, divulgada no último dia 17, confirma o bom
desempenho do candidato petista: no primeiro turno, Jerônimo aparece com 32,6% das intenções de voto contra 39,7% de ACM Neto (João Roma, do PL,
candidato do bolsonarismo, ficaria com 10,5%).
Lideranças do PT na Bahia, a exemplo do deputado
federal Jorge Solla, acreditam que a “virada” virá naturalmente no decorrer da
campanha. “Jerônimo tem bons padrinhos políticos”, diz Solla, referindo-se a
Lula e Rui Costa.
Ativistas com atuação na Chapada Diamantina,
interior baiano, compartilham da avaliação de Solla. É o caso de José
Donizette, mais conhecido como Goiano, com longa militância política e cultural
na região, especialmente em Seabra, que atesta a boa receptividade da campanha
Lula presidente e Jerônimo governador.
Por que “nova virada”?
Porque os militantes políticos não esquecem a
virada histórica de 2006, quando o ex-governador (hoje senador) Jacques Wagner
enterrou o reinado do velho ACM na Bahia.
Wagner passou toda a campanha eleitoral
amargando derrota avassaladora nas pesquisas para o candidato do então poderoso
ACM, Paulo Souto (do PFL, que virou DEM, que virou União Brasil).
Na noite de 1º. de outubro de 2006 (domingo de
eleição), a grande surpresa (para todos habituados a confiar nas pesquisas): a
contagem dos votos apontou a vitória de Wagner no primeiro turno.
Os petistas de Salvador inundaram o largo de
Santana (conhecido também como largo da Dinda), no Rio Vermelho, onde costumam
festejar suas vitórias (e chorar suas derrotas). Foi uma noite de festa
inesquecível.
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Uma boa razão para os seabrenses votarem no PT: Hospital Regional da Chapada, em Seabra, inaugurado pelo governador Rui Costa em dezembro/2017 (Foto: Internet) |
Por Jadson
Oliveira – jornalista – editor do Blog
Evidentemente - em 10/07/2022
Desafiado, o ex-vereador Smitson Oliveira, dirigente
municipal do partido, que vive com o 13 na bandeira e na cabeça, não hesitou:
“Agora mesmo, dou os 13 motivos, talvez mais… tudo
realizações de governos do PT” – falava com um grupo de amigos, alguns petistas
e outros nem tanto.
“Posso iniciar? Depois, quando a campanha de fato começar,
vou pedir o voto no 13: Lula presidente e Jerônimo governador”.
E citou, com a convicção do militante petista:
1 – Instalação em Seabra do IFBA (Instituto Federal da
Bahia);
2 – As casas do ‘Minha casa, minha vida’ no bairro Vila Nova;
3 – Hospital Regional da Chapada;
4 – Maternidade Regional da Chapada (antigo Hospital Frei
Justo);
5 – Benefícios do programa Luz para Todos;
Smitson Oliveira, da direção municipal do PT, em manifestação na área turística do Morro do Pai Inácio, na Chapada (Foto: Divulgação)
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Anúncio da participação de Lula nos festejos do 2 de Julho, em Salvador, ao lado de Jerônimo (Foto: Internet) |
7 – Reconhecimento, melhorias e construção de casas nos
quilombos;
8 – Barragem em Baraúnas (antigo Jatobá);
9 – Sede própria da Uneb (Universidade do Estado da Bahia);
10 – Ampliação do Colégio Estadual;
11 – Posto de Saúde do Bebedouro;
12 – Tratores para várias comunidades rurais;
E 13 – Fortalecimento da agricultura familiar e da merenda
nas escolas através do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar).
Smitson concluiu com entusiasmo: “Eu poderia lembrar mais
obras, como a ampliação dos serviços da Embasa, a destinação de recursos para
creches… mas estão aí os 13 motivos”.
E acrescentou: “Espero que, com Jerônimo governador e Lula
presidente, possamos festejar, em breve, a sede em Seabra da Universidade
Federal da Chapada, uma luta de anos do Projeto Velame Vivo (PVV), incorporada
pelo PT e a sociedade seabrense”.
Geraldo Jr., pré-candidato a vice-governador, Jerônimo, Lula e Rui Costa nos festejos do 2 de Julho, em Salvador
Jerônimo
Rodrigues afirmou que em outubro o Brasil irá celebrar
uma nova independência, iniciando um caminho para erradicar a fome, o
desemprego e a inflação.
Ao participar ontem (sábado, dia 2) dos festejos do 2 de Julho baiano, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou claras suas prioridades, no caso de retorno à Presidência da República: “A retomada do crescimento, a geração de empregos e a inclusão social serão tarefas prioritárias em nosso governo”, declarou em discurso durante concentração popular no Estádio da Fonte Nova.
E prosseguiu, logo depois de desfilar com milhares de baianos
por ruas de Salvador, ao lado do governador Rui Costa e do pré-candidato a governador
pelo PT e partidos aliados, Jerônimo Rodrigues, homenageando os heróis e
heroínas da luta pela independência na Bahia:
“Não pode haver avanço sem luta, e o povo
brasileiro é um especialista na arte de lutar. Não há um único dia em que o
nosso povo não seja obrigado a exercitar toda a sua extraordinária capacidade
de resistência, sobretudo nesses quatro anos de desgoverno”, destacou Lula.
Afirmou ainda que o atual governo está “em guerra” contra o povo brasileiro. “Uma guerra que tem como armas a fome, o desemprego, a inflação, o endividamento das famílias. Que aprofunda a desigualdade, destrói patrimônios, devasta o meio ambiente, ataca a ciência e a cultura, condena o Brasil ao atraso e ao isolamento internacional e coloca em xeque a democracia e a soberania”.
“Uma guerra que tem como alvos preferenciais as mulheres, os negros, o jovem da periferia, os povos indígenas e a parcela mais pobre da nossa população” – continuou em seu discurso sob aplausos de numerosa plateia na Fonte Nova.
Lula afirmou também que “lutar por uma nova independência é defender a Petrobras, a Eletrobrás, os Correios, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica, empresas que foram construídas com o suor do povo brasileiro e são peças-chave para a nossa soberania”, defendeu.
Sempre referenciando na luta simbolizada no 2 de Julho, o ex-presidente petista lembrou que “a independência não foi feita por um pacto entre as elites, ela foi conquistada, a duras penas, por negros, brancos, indígenas, mulheres e homens, que decidiram dar um basta à opressão”.
Também na Fonte Nova, Rui Costa comparou o que
era o estado antes da eleição de Lula em 2003 e o que passou a ser quando o
petista deixou a Presidência. “Antes de Lula, a Bahia tinha uma universidade
federal. Agora, a Bahia tem seis. Antes, tinha uma escola técnica federal.
Depois dele, 36”, lembrou. “O Brasil espera muito da Bahia, Lula precisa da
Bahia, dos baianos. A Bahia precisa de Lula”.
E Jerônimo Rodrigues, em seu discurso,
afirmou que em
outubro o Brasil irá celebrar uma nova independência, iniciando um caminho para
erradicar a fome, o desemprego e a inflação.
“É muito
triste, machuca bastante a gente, ver quase 40 milhões de pessoas no Brasil,
nossos irmãos, acordarem de manhã sem saber o que vão botar no prato dos filhos”,
lamentou Jerônimo.
Lula, Rui e Jerônimo estiveram sempre ao lado
de figuras representativas da política e dos movimentos sociais da Bahia, como
os senadores Jaques Wagner e Oto Alencar e dezenas de prefeitos, vereadores, deputados e militantes sociais. Presente também o vice na chapa de Lula, o ex-governador paulista
Geraldo Alckmin.
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Foto: Reuters/Henry Nicholls |
Ao aprovar a extradição de Assange, o governo britânico avança na consumação de um ataque à liberdade de imprensa em escala mundial.
"Que crime Assange cometeu?", perguntou Luiz Inácio Lula da Silva, ontem, durante um evento em Maceió. Lula prosseguiu: "É o crime de falar a verdade..."
Por Paulo Moreira Leite (jornalista) - Reproduzido do site Brasil 247, com o título Depois de Assange, a próxima vítima pode ser você, datado de 18/junho/2022.
Não é difícil compreender o que está em jogo na perseguição inclemente do governo dos Estados Unidos a Julian Assange, que já completa mais de dez anos, numa ação de Estado, que une republicanos e democratas num mesmo processo.
"Que crime Assange cometeu?", perguntou Luiz Inácio Lula da Silva, ontem, durante um evento em Maceió. Lula prosseguiu: "É o crime de falar a verdade, mostrar que os Estados Unidos, estavam grampeando muitos países do mundo, inclusive grampeando a presidente Dilma Rousseff".
A reação
de Lula está em linha com entidades democráticas do planeta, a começar pela
Anistia Internacional, celebrada há décadas. "Permitir que Assange seja
extraditado para os EUA o colocaria em grande risco, numa mensagem assustadora
para jornalistas de todo mundo", denunciou a entidade. Fundador do
Wikileaks, Julian Assange utilizou as modernas tecnologias de informação para
desvendar bastidores jamais investigados do império norte-americano, que
puderam ser retratados em sua intimidade e crueza, inclusive momentos de crime
e horror. Divulgou informações chocantes, diálogos vergonhosos e mesmo cenas
repulsivas de tortura de prisioneiros sempre apoiado em documentos -- vídeos,
fotos, gravações -- cuja autenticidade jamais seria negada. Num cotidiano onde
jornalistas do mundo inteiro costumam ser processados e condenados pela
divulgação de notícias falsas, ou relatos que não podem ser sustentados em
provas, a situação aqui é outra. Assange é processado em função de informações verdadeiras
e comprovadas. A tentativa é condená-lo por divulgar a verdade. A cada passo
destinado a conduzir Assange aos Estados Unidos, onde o aguarda um julgamento
em corte militar, o direito de cada um de nós ter conhecimento real a respeito
de verdades ocultas sobre as forças que governam o planeta fica diminuído e até
ameaçado. Não se trata de um caso individual.
Em 1971,
quando o New York Times divulgou documentos ultra-secretos sobre a atuação do
governo Richard Nixon na guerra do Vietnã, o caso virou um escândalo universal
mas foi tratado na esfera adequada, como liberdade de expressão.
Responsável pelo vazamento, o analista militar Daniel Ellsberg foi
julgado pela Suprema Corte, onde enfrentou uma acusação que pretendia
condená-lo a 115 anos.
Apoiado
pela juventude que fora as ruas lutar contra a guerra, Ellsberg assumiu suas
responsabilidades pela divulgação dos papéis, alegando que, "como cidadão
americano, não poderia manter essas informações escondidas do público".
Acabou absolvido.
Meio século depois, o debate mudou de lugar -- e de
sentido, obviamente. Num tratamento diferente daquele recebido por Daniel
Ellsberg, o civil australiano Julian Assange será julgado por denúncias que
envolvem a invasão do Iraque -- mas num tribunal militar, onde vigoram outras
regras, outra disciplina e, acima de tudo, outros princípios.
Para a humanidade, a questão é a mesma -- liberdade
de expressão -- mas o cenário é outro. O horizonte também. A militarização do
debate sobre a liberdade de imprensa não é uma iniciativa inocente. O custo é
pago pela democracia, isto é, por todos nós.
Alguma dúvida?
(Cabe observar que o Brasil de Bolsonaro já possui
-- todas as diferenças guardadas -- um caso semelhante. A anulação dos
julgamentos da Lava Jato, que trouxe Lula de volta à vida pública e à campanha
presidencial, só foi possível graças a Operação Spoofing, alimentada pelos
diálogos entre figurões da Lava Jato. As conversas foram grampeadas pelo hacker
Walter Delgatti Neto, fonte das denúncias do Intercept, que se tornaram
manchete mundial. Delgatti foi investigado por várias acusações, inclusive de
"organização criminosa". Nada se provou que contra ele mas segue
tratado como se tivesse feito alguma coisa errada).
(O mandante) está no incentivo à violência, no descaso na apuração,
no desmonte aos órgãos responsáveis pelas políticas públicas, na perseguição à
imprensa, na impunidade... Quem incentiva o crime também aperta o gatilho.
Por Mônica Bichara (jornalista) junho 16, 2022 (Reproduzido do blog Pilha Pura)
Quem não está com um choro entalado na garganta
hoje, no Brasil, está do lado do mandante. E seja lá quem for o mandante
oficial dessa barbárie que abateu, num só golpe, um jornalista e um
indigenista, a digital do verdadeiro culpado está espalhada por todos os
lugares (pouco importa quem puxou o gatilho). Está no incentivo à
violência, no descaso na apuração, no desmonte aos órgãos responsáveis pelas
políticas públicas, na perseguição à imprensa, na impunidade... Quem incentiva
o crime também aperta o gatilho.
Desde a primeira notícia sobre o sumiço dos dois, o
"chefe supremo" botou a carapuça: “Se arriscaram numa aventura não
recomendável”. Não! Não era, nem nunca foi uma aventura. Muito menos não
recomendável. Estavam cumprindo suas missões. Culpar as vítimas sempre foi a
saída preferida dos covardes. E para isso nem fingem um mínimo de preocupação.
Não colaria mesmo.
É sintomático que essa monstruosidade tenha
vitimado justamente um jornalista, além do indigenista. Somos o alvo principal,
e declarado, do atual governo.
E justo o britânico Dom Phillips, correspondente do
The Guardian no Brasil, autor da suprema ousadia de questionar o todo poderoso,
em junho de 2019, sobre o crescimento dos desmatamentos na Amazônia e a falta
de ações de preservação. Citou, inclusive, a parceria do então ministro do Meio
Ambiente, Ricardo Salles (o que queria passar a boiada), com madeireiros da
região. Sem sequer olhar no rosto do entrevistador, sentado ao seu lado, nem
disfarçar o ódio que espumava pela boca imunda, o incentivador de toda essa
onda de violência que se instalou no país vomitou essa pérola: “Primeiro você
tem que entender que a Amazônia é do Brasil, não é de vocês”.
O choro coletivo, que continua entalado, vem se
acumulando desde outro maldito golpe, o que permitiu essa múltipla tragédia
brasileira. E foram inúmeros os atentados, sob forma de declarações
desastrosas, tecendo a crônica das mortes anunciadas. Alguns exemplos:
“Se eu assumir a Presidência do Brasil, não terá
mais um centímetro para terra indígena”, disse em 8 de fevereiro de 2018;
“Em 2019 vamos desmarcar a Raposa Serra do Sol.
Vamos dar fuzil e armas a todos os fazendeiros”, na Câmara Federal, em 2016;
"As reservas indígenas sufocam o agronegócio”,
em 2015;
“Se depender de mim, todo cidadão vai ter uma arma
de fogo dentro de casa. Não vai ter um centímetro demarcado para reserva
indígena ou para quilombola”, dia 3 de abril de 2017, no Estadão;
“Se eleito eu vou dar uma foiçada na Funai, mas uma
foiçada no pescoço. Não tem outro caminho”, promessa de campanha cumprida com
“louvor” – reduziu pela metade a estrutura do órgão de apoio aos povos
indígenas. O próprio Bruno Pereira já tinha sido vítima desse desmonte, quando
perdeu o cargo de coordenador de povos isolados na Funai, vingança promovida na
gestão do ex-ministro Sérgio Moro na Justiça.
Que essas mortes não sejam em vão
E para que as mortes de Dom Phillips e
Bruno Pereira não sejam em vão, o Brasil e o mundo precisam acordar e ir para
as ruas, soltar o grito coletivo que está nos entalando. Exigir punição, exigir
demarcação, respeito aos povos indígenas, aos territórios tradicionais, ao meio
ambiente, à democracia. À dor que estamos sentindo. Difícil mensurar a aflição
das famílias, amigos, colegas. Mais ainda a dos indígenas, que depositam
ESPERANÇA na "aventura", ou "excursão", dos ativistas em
defesa da Amazônia,
Está cada vez mais difícil respirar nesse país,
onde raposas foram colocadas para tomar conta de galinheiros. Um racista na
Palmares, uma fundamentalista nos Direitos Humanos, um madeireiro na Funai, um
latifundiário na Agricultura....
Não basta mais apenas chorar ou se revoltar com a
confirmação das mortes. Que a repercussão internacional desse caso, por
envolver um jornalista britânico, branco, representante de um dos mais
importantes veículos de comunicação do mundo, não esmoreça. É o mínimo que
podemos fazer, e exigir, para que Dom e Bruno não tenham perdido suas vidas em
vão. Que, ao contrário, eles virem semente de um Brasil mais justo. Como a
memória de Marielle Franco vem ajudando a semear a luta pela redemocratização
do país.
#ForaBolsonaroGenocida
#domebrunopresentes
#MariellePresente
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Ex-ministro Roberto Amaral |
Cobra-se do Partido dos Trabalhadores um projeto revolucionário que não está no horizonte de seu programa
(Ironia da História: são os “subversivos” que, hoje, defendem a democracia no país, contra as ameaças totalitárias dos partidos da ordem.)
O pior desatino comete o pretenso revolucionário que supõe poder alterar a realidade ignorando os limites de seu papel como sujeito histórico.
A urgência histórica é a questão democrática, que se materializará na derrota do projeto continuísta do bolsonarismo.
O programa fascistóide tem raízes em ponderáveis segmentos da sociedade brasileira, sua existência guarda coerência com nossa formação de sociedade
Por Roberto Amaral - cientista político, ex-ministro da Ciência e Tecnologia em 2003/2004 - 28/maio/2022 (Reproduzido do site Brasil 247)
Ponderáveis setores da esquerda brasileira, novos e antigos
companheiros das lutas democráticas, cobram de Luiz Inácio Lula da Silva o
anúncio de um projeto socialista para o Brasil de hoje – embora a revolução,
sempre desejada, não esteja posta pelo processo histórico.
Lamentavelmente. De Lula, um dos mais avançados quadros da centro-esquerda
brasileira, como certificam seus oito anos de governo, o que havemos de esperar
é a construção e liderança de uma nova maioria política, fiadora da
continuidade democrática, fundamental para a luta dos trabalhadores no Estado
burguês. Não é um fim, em si, mas processo sem o qual não retomaremos o projeto
de uma sociedade sem classes.
(Ironia
da História: são os “subversivos” que, hoje, defendem a democracia no país,
contra as ameaças totalitárias dos partidos da ordem.)
Cobra-se
do Partido dos Trabalhadores – o maior e o mais sólido partido da
socialdemocracia brasileira – um projeto revolucionário que não está no horizonte
de seu programa. Sob o comando de Lula, o PT lidera uma coalizão partidária de
centro-esquerda, ampla, que mais e mais procura afastar-se das teses encampadas
na saudosa campanha eleitoral de 1989, porque de lá para cá o mundo mudou, o
país mudou e mudou o próprio PT, tanto quanto mudaram as perspectivas da
esquerda brasileira, com a crise do “socialismo real” e as seguidas
“diásporas”; e consequentemente as condições de luta pioraram. O PT mudou para
vencer as eleições em 2002, e volta a mudar, desta feita para poder liderar uma
frente ainda mais ampla, em condições de derrotar o projeto protofascista
governante, que nos ameaça com anunciadas expectativas de continuidade.
O pior desatino comete o pretenso revolucionário que supõe
poder alterar a realidade ignorando os limites de seu papel como sujeito
histórico.
Como
lembrava há mais de um século conhecido pensador alemão, o homem faz sua
história, mas não a faz segundo os caprichos de sua vontade, de seus sonhos e
de sua utopia; ele a faz segundo as circunstâncias com as quais se defronta
(Cf. Marx, Karl. O 18 brumário de Luis
Bonaparte). Dois mil anos antes, Sun Tzu recomendava aos generais em guerra
conhecer previamente o inimigo e o terreno em que pretendiam lutar.
Mudando
a conjuntura, as formas de luta também mudam.
Independentemente
do PT e de seu líder, nos defrontamos com o recesso das lutas sociais,
implicando o remanso da denúncia da luta de classes. A conjuntura internacional
vê-se pontuada pela fragilização das organizações revolucionárias, socialistas
e trabalhistas, pari passu com
o crescimento de apoio popular a movimentos de direita e extrema-direita (vide
França, Itália, EUA, Hungria, Polônia), como o que se revelou contundente nas
eleições brasileiras de 2018. Entre nós a extrema-direita empalmou o poder
cavalgando eleições livres, pela primeira vez. Não se trata de um fenômeno
menosprezável, mas de um indicador do nível de consciência das massas.
Cresce
o imperialismo como força política, econômica e militar, e esse crescimento
pesa sobre o processo social. A agudização do militarismo é uma de suas
evidências. É seu o monopólio da informação, de que resulta a unipolaridade
ideológica, uma modalidade de ditadura nas sociedades de massas. Limitada em
suas opções revolucionárias, a esquerda optou pelo ingresso na
institucionalidade, que, lhe dando sobrevida, congelou sua capacidade de
intervir na realidade, visando a modificá-la. Perdida a revolução, seu projeto
passou a ser modificar por dentro as estruturas, tornando-se, assim,
inevitavelmente, um fator da ordem. É uma nova socialdemocracia, substituta
daquela que transitou para a direita, no mundo e no Brasil.
Combater
qualquer alteração do status quo,
qualquer ameaça de mudança de rumo, mesmo dentro da legalidade, qualquer
sugestão de reforma social, passou a ser o projeto retrógrado da casa-grande
brasileira, que não convive com alterações, quaisquer, da ordem baseada na
superexploração da classe trabalhadora. Daí o combate que travou contra os
governos Lula e Dilma, daí seu apoio ao quadro político consequente, daí suas
ameaças ao processo eleitoral de 2022, à posse e ao futuro governo Lula, quando
o candidato promete colocar o pobre no Orçamento e os ricos no Imposto de
Renda. Essa resistência não conhece limite e explica o esforço do Lula
candidato de construir, ainda no processo eleitoral, uma coalizão que lhe
assegure, além da eleição e da posse, condições de governar, negadas a Jango e
a Dilma Rousseff.
Nesta
quadra histórica, está reservado às classes populares, organizadas, garantir a
continuidade democrática e uma governança que possibilite a retomada do
desenvolvimento, a recuperação das conquistas sociais e a preeminência do
interesse nacional.
Para
avançar, sempre a depender do que seremos e faremos no pós-2022, precisaremos
alterar a atual correlação de forças, ampliando, para além de nosso campo, o
arco político-social que garantirá a governabilidade a partir de 2023. Somente
amparados em uma grande mobilização popular estaremos em condições de promover
alterações significativas na estrutura do Estado brasileiro atual, sem as quais
será impossível a um governo de raízes sociais descartar os entraves ao
desenvolvimento nacional e remover a viciada, para além de nociva, ingerência
da caserna atrasada sobre as instituições republicanas.
Tantos
anos passados da Constituinte, retorna a discussão essencial sobre o caráter do
Estado de que necessitamos para promover o progresso social, tantas vezes
contestado pela casa-grande e seu braço armado.
A urgência histórica é a questão democrática, que
se materializará na derrota do projeto continuísta do bolsonarismo. É, ao mesmo
tempo, a tarefa mais consequente ao nosso alcance, e aquela que mais amplia na
sociedade, daí o caleidoscópio de alianças que o ex-presidente intenta costurar
com paciência de cesteiro. Porque é necessário ganhar e é necessário ter forças
para poder governar e, principalmente, governar sabendo que contará com a
resistência da casa-grande.
Nada obstante essas considerações, que aos quadros
mais experientes podem tangenciar o óbvio, é preciso ter sempre em conta que a
ainda difícil (tanto quanto necessária) eleição de Lula e o retorno do PT ao
governo – ainda longe da hegemonia do poder – significarão um grande avanço
político (ao qual se associa a esquerda socialista), por representar o avanço
possível nas condições concretas. Este avanço possível das esquerdas está
abraçado ao sucesso que promete a candidatura Lula.
As limitações óbvias de uma candidatura que, para
viabilizar-se, carece de amplas alianças, mesmo ultrapassando as fronteiras de
seu arco ideológico, não podem, porém, ser arguidas como inibidoras da ação e
do proselitismo das esquerdas, a quem incumbe, na campanha eleitoral, a defesa
das teses de nosso campo. Em síntese, compete à esquerda fazer a campanha da
esquerda, jamais delegá-la a uma frente ampla cujo núcleo é a socialdemocracia.
Toda campanha eleitoral é uma oportunidade de proselitismo. No caso
concreto, os socialistas terão de associar a pedagogia ideológica à ação, o
encontro ideal de teoria e prática, retornando à organização popular.
Organização em todo e qualquer nível, para a ação e o proselitismo e, para,
amanhã, responder aos desafios que lhe serão forçosamente impostos pelo
processo social.
A deposição de Dilma e o que a partir dessa
violência se seguiu não podem ser entendidos como frutos do acaso, nem muito
menos pensados como “chuvas de verão”. O programa fascistóide tem raízes em
ponderáveis segmentos da sociedade brasileira, sua existência guarda coerência
com nossa formação de sociedade (em busca da nação) e país escravocrata,
racista e autoritário, governado por uma elite alienada e forânea,
descomprometida com os destinos do país e de sua gente. É preciso compreender o
caráter do processo histórico para nele poder intervir consequentemente.
*Com a
colaboração de Pedro Amaral
A categoria se manteve mobilizada (Fotos: Smitson Oliveira) Tânia Oliveira, dirigente da APLB-Sindicato
Depois de uma greve de mais de 50 dias, os professores da rede municipal de Seabra, na Chapada Diamantina, chegaram a um acordo considerado satisfatório, retomando as aulas a partir da terça-feira, dia 24: conseguiram a maioria das reivindicações, incluindo o reajuste de 33,24% do piso salarial, que é garantido em lei federal e faz parte da luta da categoria em todo o estado, pois tal direito vem sendo atropelado pelas prefeituras.
(Em Salvador, por exemplo, os professores das escolas
municipais estão em greve, iniciada na última quinta-feira, dia 19, exigindo o
mesmo reajuste).
Apesar da volta às aulas, o professorado seabrense continua
mobilizado para serem efetivamente atendidos os itens acordados, constantes em
ata registrada no Ministério Público. E também para acompanhar – buscando
transparência – a aplicação das verbas para a educação.
Isto em meio à extrema má vontade do prefeito Fábio Miranda,
que, passando ao largo da institucionalidade, negou-se a se sentar à mesa de
negociação com os legítimos representantes da APLB-Sindicato dos Trabalhadores
em Educação do Estado da Bahia, existente há 70 anos como referência em luta de
classe.
O seu secretário da Educação, Altair Sá Teles, no entanto,
negociou com a comissão dos grevistas. E o documento do acordo foi apresentado
no Ministério Público local, no intuito de referendar o cumprimento dos prazos
acordados.
Este é um pequeno resumo feito a partir da avaliação e relato
da dirigente da APLB, Tânia (Maristônia)
Oliveira, presidente da Delegacia Sindical Lavras da Diamantina da
APLB/Sindicato (abrange Seabra e mais quatro municípios da Chapada Diamantina).
Segundo ela, foram dias de muita movimentação, com
manifestações de rua, assembleias, inclusive nas praças, “ocupações da
prefeitura” (ocupação do pátio da Secretaria da Educação durante o expediente),
panfletagens, carreatas, gravação e divulgação de vídeos e muita atuação nas
redes sociais. Além de reuniões/encontros no sindicato, Câmara de Vereadores e
Ministério Público.
O movimento contou (e ainda conta) com o apoio de mães e pais
(principalmente as mães) dos alunos, cuja participação foi talvez um dos toques
mais notáveis da mobilização e articulações.
Com o fim da greve, os professores têm agora também o compromisso com a reposição das aulas para os cerca de 8.000 alunos e alunas da rede de educação infantil e ensino fundamental, níveis da competência da gestão municipal. São aproximadamente 50 escolas em todo o município.
Mais fotos do movimento:
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Sociólogo português Boaventura de Sousa Santos (Foto:Internet) |
"As esquerdas partidárias deixaram de viver onde vivem os seus eleitores, deixaram de conviver e de conversar com eles, exceto quando os visitam para lhes pedir o voto. Quem hoje convive e conversa com os grupos sociais mais excluídos são muitas vezes as igrejas evangélicas neopentecostais quando não é o crime organizado”, diz o sociólogo Boaventura de Sousa Santos.
Por Boaventura de Sousa Santos - sociólogo português
10 de fevereiro de 2022, 11:02 h Atualizado em 10 de fevereiro de 2022, 11:13
Reproduzido a partir do site Brasil 247
As eleições gerais do passado dia 30 de janeiro em Portugal tiveram
resultados surpreendentes. O Partido Socialista (PS) ganhou as eleições com
maioria absoluta. Portugal será, a partir de agora, o único país europeu
com um governo de maioria absoluta de um só partido de esquerda. Os
dois partidos à esquerda do PS tiveram os piores resultados de sempre. O
Partido Comunista (PCP), que tinha doze deputados no parlamento, passa a ter
metade; e o Bloco de Esquerda (BE), que tinha 19 deputados, passa a ter
cinco. O BE passa de terceira força política para quinta e o PCP, de
quarta para sexta. As posições destes partidos passaram a ser ocupadas por
forças de ultradireita, uma de inspiração fascista (Chega), agora terceira
força política, da família da extrema-direita europeia e mundial; e outra
de recorte hiper-neoliberal, darwinismo social puro e duro, ou seja, a
sobrevivência do mais forte (Iniciativa Liberal), agora quarta força
política. Os resultados eleitorais mostram que a esquerda à esquerda do PS
perdeu a oportunidade histórica que granjeou depois de 2015 ao construir uma
solução de governo de esquerda que ficou conhecida por geringonça (PS,
BE, PCP), uma solução que travou a austeridade imposta pela solução
neoliberal da crise financeira de 2008 e lançou o país numa recuperação econômica
e social modesta mas consistente. Esta solução começou a precarizar-se em 2020
e colapsou em finais de 2021 com a rejeição do orçamento apresentado pelo
governo. Foi isso que levou às eleições antecipadas de 30 de janeiro. A vitória
esmagadora do PS depois de seis anos de governação e dois anos de pandemia é memorável
e merece reflexão. Neste texto, proponho-me refletir sobre o outro fato
importante destas eleições: a queda abrupta dos dois partidos de esquerda à
esquerda do PS. Não pretendo aqui analisar a queda em si mesma; pretendo antes
mostrar o abismo que nela se manifesta entre a esquerda que o BE e o PCP
representam e a esquerda que, em meu entender, tem condições para
prosperar nas próximas décadas. A diferença entre o que existe e o que proponho
é tal que estamos perante a necessidade
de reinventar as esquerdas. Por agora não me refiro ao conteúdo
programático. Refiro-me sobretudo às formas
de organização. Apresento a minha proposta em dez teses.
1. Não há cidadãos despolitizados; há cidadãos
inseguros que não se sentem mobilizados pelas formas dominantes de politização,
sejam elas partidos ou movimentos da sociedade civil organizada.
Parte
inferior do formulário
A esmagadora maioria dos cidadãos não está filiada em partidos, não
participa em movimentos sociais nem sai à rua para se manifestar, mas uma boa
parte dela sente-se excluída, abandonada e sem esperança que a democracia
realize as suas expectativas. A pandemia veio agravar a insegurança existencial.
As forças de extrema-direita foram as primeiras a identificar aí a sua
oportunidade para prosperarem. São exímios empreendedores do medo e da
raiva.
Depois de séculos de colonialismo (racismo, xenofobia, roubo de terra e
de recursos naturais) e de hétero-patriarcado (sexismo, violência de gênero,
feminicídio, homofobia, transfobia) e de mais de quarenta anos de
capitalismo neoliberal (concentração escandalosa da riqueza,
sobreexploração do trabalho, erosão dos direitos sociais e econômicos e destruição
da natureza), as revoltas ou explosões sociais, quando ocorrem, tendem a
colher de surpresa os partidos e as organizações da sociedade civil
(associações e movimentos sociais). São muitas vezes movimentos
espontâneos, presenças coletivas nas praças públicas.
2. Não há democracia sem partidos, mas há
partidos sem democracia.
Uma das antinomias da democracia liberal representativa reside em ela
assentar cada vez mais nos partidos como forma exclusiva de agência política,
ao mesmo tempo que os partidos são internamente cada vez
menos democráticos. Os partidos vivem e reproduzem-se no interior de
instituições que tendem a isolar-se da turbulência e da complexidade das
dinâmicas sociais. O déficit democrático dos partidos traduz-se na incapacidade
para captar atempadamente e interpretar corretamente os anseios, as
inseguranças, as aspirações de cidadãos e cidadãs cada vez mais
armadilhados na ideologia dominante da autonomia e da liberdade, sem
terem condições materiais para serem efetivamente autônomos ou se
sentirem efetivamente livres. Sem ninguém os escravizar, sentem-se
condenados a auto-escravizar-se. Enquanto empreendedores, colaboradores,
trabalhadores autônomos, sentem-se na situação paradoxal de terem direito
a não ter direitos. Esta dissonância é particularmente acentuada entre os
jovens e as classes sociais socialmente empobrecidas e vulneráveis, aquelas
para cuja defesa se criaram os partidos de esquerda. Por exemplo,
as ideologias dominantes nos partidos de esquerda tendem a ver nos jovens
apenas trabalhadores precários. Eles são isso, mas são muito mais do que isso,
são cidadãos e cidadãs preocupados com a sua sexualidade, com o racismo, com as
dificuldades de relacionamento num mundo pandêmico e de comunicação virtual,
com a perda de amizades intensas, com a exigência de altas qualificações acadêmicas
destinadas ao desemprego ou ao emprego lixo, com o medo que a crise ecológica
lhes roube mais facilmente o futuro que o capitalismo. A distância entre todas
estas vivências e carências e os códigos de formulação e de gestão política dos
partidos é cada vez mais preocupante.
3. Os partidos do futuro serão
partidos-movimento.
Se é verdade que os partidos tradicionais esgotaram o seu tempo
histórico, isso é particularmente verdade no caso dos partidos de esquerda. A
solução reside em transformar os partidos em entidades mais intensamente democráticas.
Os partidos do futuro têm de combinar a democracia representativa com a
democracia participativa no modo como se organizam, como definem os seus
programas, como escolhem os seus líderes, como tomam decisões políticas
importantes, como prestam contas e afirmam a transparência. A participação
cidadã nos partidos não se pode esgotar no exercício do direito de voto de
quatro em quatro anos. Deve exercer-se no decurso do mandato dos eleitos, e não
apenas quando o mandato termina. Esta participação não se pode reduzir a
receber informações regulares. Devem plasmar-se na constituição de círculos
de cidadania militante e simpatizante, organizados por local de residência ou
por tipo de ocupação, com capacidade deliberativa e não apenas consultiva. Esta
vigilância e co-criação política é particularmente decisiva no caso dos
partidos de esquerda por duas razões principais. As classes e os grupos sociais
que as esquerdas se propõem representar e cujos interesses dizem defender vivem
em condições sociais e universos culturais diferentes dos das lideranças
políticas e têm menos tempo e menos proximidade social para se manifestarem ou para
se fazerem entender. A política de proximidade é a chave da política do futuro.
Essa proximidade não pode ser mero artefato virtual da sociedade de informação
porque os corpos vivos têm densidades e emoções que fogem à lógica binária da
comunicação virtual. Além do mais, a comunicação virtual não entende os
silêncios e as ausências, embora uns e outras sejam fundamentais para entender
o sofrimento dos que mais sofrem e as injustiças a que estão sujeitos os mais
injustiçados.
A segunda razão prende-se com a tradição do marxismo-leninismo que por
vezes ao centralismo democrático nos partidos vindos da tradição comunista.
Esta tradição teve o seu mérito no seu tempo, mas está hoje ultrapassada pelas
condições de vida e comunicação contemporâneas. Mantê-la nos dias de
hoje, ainda que de forma matizada, significa por vezes cair na tentação do
espírito de seita (sectarismo), na busca de unanimidades através do
policiamento antidemocrático de opiniões divergentes para que não vinguem
e, finalmente, na oscilação brusca entre unanimidade e silenciamento, suspensão
de direitos, demonização na praça pública. Este tipo de gestão das
diferenças é cada vez mais incompatível com a visão que os cidadãos têm da
convivência e da deliberação democráticas.
4. Os partidos-movimento de esquerda não
precisam de ser inventados a partir do zero; devem conhecer e valorizar as suas
origens.
As esquerdas nasceram na convivência com as classes e grupos sociais excluídos.
Ajudaram a minorar a exclusão e o silenciamento, não apenas dando voz às suas
reivindicações, mas também promovendo a sua autoestima, através da educação e
da cultura populares, dos grupos teatrais, das atividades de convívio e de
lazer. As esquerdas têm de voltar às suas origens, ao convívio de proximidade
com os grupos sociais excluídos, discriminados, empobrecidos. Paradoxalmente,
estes grupos são os que sofrem mais com a ideologia dominante e os que
mais facilmente se sentem seduzidos por ela, expostos como estão à indústria do entretenimento massivo e às
redes sociais reconfortantes. As esquerdas partidárias deixaram de viver
onde vivem os seus eleitores, deixaram de conviver e de conversar com eles, exceto quando os visitam para lhes pedir o
voto. Quem hoje convive e conversa
com os grupos sociais mais excluídos são muitas vezes as igrejas evangélicas
neopentecostais quando não é o crime organizado. O ativismo militante de
esquerda parece limitar-se a participar em reuniões do partido para fazer
(quase sempre ouvir quem faz) uma análise da conjuntura. Os partidos de esquerda, tal como existem hoje, não são capazes de
falar com as vozes silenciadas e excluídas em termos que estas entendam. Para
mudar isso, as esquerdas devem reinventar-se.
5. Não há democracia, há democratização.
A responsabilidade das esquerdas reside em que elas servem hoje à democracia
mais genuinamente que quaisquer outras. A democracia liberal representativa
sempre teve o medo das maiorias sociais. Basta lembrar que a democracia
representativa esteve na sua origem limitada aos proprietários, uma
pequena minoria de cidadãos. Mas nos últimos sessenta anos passou por períodos
em que, com maior verossimilhança, foi o regime dos governos das maiorias para
benefícios das maiorias. Hoje em dia, a democracia liberal está cada vez mais
capturada por poderosos interesses econômicos. À medida que isso ocorre e é
mais conhecido, vai germinando a ideia de que a democracia está a ser
desfigurada e é hoje muitas vezes um regime de governos de minorias para
benefício das minorias. Em muitos países, as forças políticas de direita
dependem cada vez mais de interesses econômicos poderosos. Para poder servi-los,
não podem servir à democracia; apenas se servem dela. As forças políticas de
esquerda estão, por esta razão, em melhor posição para servir à democracia e defendê-la
dos antidemocratas. Mas, para isso, têm de romper com a lógica de organização
interna típica dos partidos de direita.
As esquerdas são as mais bem posicionadas para entender que a democracia
não se pode limitar ao espaço-tempo da cidadania. As sociedades politicamente
democráticas são frequentemente sociedades em que as maiorias não têm condições
de viver democraticamente por estarem expostas a quotidianos de autoritarismo
que tenho designado como fascismo social. A luta democrática tem de existir
também no espaço da família, da comunidade, da produção, das relações sociais,
das relações com a natureza e das relações internacionais. Cada espaço-tempo
convoca um tipo específico de democracia. Nisto consiste a democracia de alta intensidade. Comparada com ela, a democracia liberal representativa é uma
democracia de baixa intensidade.
6. Os partidos-movimento devem lutar contra o
fundamentalismo da exclusividade da representação.
Os partidos convencionais sofrem de um fundamentalismo anti-sociedade
civil organizada (associações e movimentos sociais). Consideram que têm o
monopólio da representação política e que esse monopólio é legítimo,
precisamente porque as organizações sociais não são quantitativamente
representativas. Por isso, os únicos meios de se articular com elas são a
cooptação ou a infiltração. É assim que os partidos só reconhecem “os seus
movimentos”, as “suas associações”, sejam elas sindicatos ou ordens
profissionais. Este fundamentalismo da exclusividade da representação e o que
dele decorre levam a deslegitimar as organizações da sociedade civil, a sujeitá-las
a lógicas partidárias com prejuízo para os interesses reais dos seus
associados.
A luta contra o fundamentalismo tem ainda uma outra dimensão.
Os partidos privilegiam a ação institucional, a mobilização das
instituições, tais como, o parlamento, os tribunais e a administração pública.
Pelo contrário, as organizações da sociedade civil e sobretudo os movimentos
sociais, embora utilizem também a ação institucional, recorrem muitas vezes à
ação direta, aos protestos e manifestações nas ruas e nas praças, aos sit-ins,
à divulgação de agendas por via da arte (o artivismo). O
fundamentalismo da exclusividade da representação tende a desvalorizar estas
importantes formas de mobilização social e a fomentar a tentação de as
instrumentalizar. Os partidos tendem a homogeneizar as suas bases sociais (é-se
socialista, comunista, conservador, democrata cristão). Pelo contrário, as
organizações e movimentos sociais concentram-se em lealdades temáticas mais
específicas: a habitação, a imigração, a violência policial, o racismo e o sexismo,
a diversidade cultural, a diferença sexual, a ecologia, o território, o regionalismo,
a economia popular, etc. Trabalham com linguagens e conceitos distintos dos que
são usados pelos partidos. Essa diversidade enriquece a convivência
democrática.
As organizações e movimentos sociais sabem que as formas de opressão
tanto vêm do Estado como das relações sociais (às vezes familiares) e
econômicas. Os sindicatos, por exemplo, têm uma experiência notável de luta
contra atores privados: os patrões e as empresas. É por esta razão que o
neoliberalismo lhes tem feito um ataque cerrado. A sociedade civil organizada
em associações, movimentos sociais e sindicatos está hoje marcada por uma
experiência muito negativa: os partidos
de esquerda descumprem frequentemente as suas promessas eleitorais quando
chegam ao poder. Esse descumprimento leva a prazo à deslegitimação dos
partidos. Se a legitimação democrática não for recuperada pelos
partidos-movimento democráticos, os partidos antidemocráticos e de vocação
fascizante encontram aí um terreno fértil para prosperarem. Apresentam-se, em
geral, como o antissistema, a nova/velha extrema-direita.
7. A revolução da informação eletrônica e as
redes sociais não constituem, em si, um instrumento incondicionalmente
favorável ao desenvolvimento da democracia participativa.
Pelo contrário, podem contribuir para manipular a tal ponto a opinião pública
que o processo democrático pode ser fatalmente desfigurado (o mundo das fake
news e do discurso do ódio). O exercício da democracia participativa
necessita hoje, mais do que nunca, de reuniões presenciais e discussões face a
face. A tradição das células partidárias, dos círculos de cidadãos, dos
círculos de cultura, das comunidades eclesiais de base tem de ser reinventada.
Não há democracia participativa sem interação de proximidade. A pandemia tornou
mais difícil a política de proximidade, mas ela deve ser retomada logo que
possível.
8. Os partidos-movimento de esquerda estão
abertos a juntar forças com outros partidos de esquerda com base no princípio
das pluralidades despolarizadas e das teorias da transição.
Tradicionalmente, as forças políticas de esquerda foram vítimas
de faccionismo e de oportunismo. Em ambos os casos, esses desvios deveram-se
à distância que criaram com as suas bases sociais. No caso das forças de
tradição comunista e anarquista, o faccionismo foi o desvio mais frequente, decorrente
quase sempre da ansiedade identitária e do purismo ideológico.
Fracionaram-se com frequência e transformaram os companheiros de ontem
nos inimigos de hoje. No caso das forças de tradição socialista, o desvio mais
frequente foi o do oportunismo, o ecletismo ideológico que tornou mais fácil
coligar-se com forças de direita do que com outras forças de esquerda. Tanto o
faccionismo como o oportunismo contribuem para desarmar as forças de esquerda e
frustrar as suas bases sociais. Isto é particularmente preocupante num contexto
de época de crescimento de forças de extrema-direita, apostadas em usar a
democracia para chegar ao poder, mas prontas para a descartar à medida que isso
for possível.
Contra esta dupla tradição devem contrapor-se dois princípios. O
primeiro é o princípio das pluralidades despolarizadas. Consiste em distinguir
entre o que separa e o que une as organizações políticas e promover as
articulações entre estas com base no que as une, sem perder a identidade do que
as separa. O que as separa apenas fica em suspenso por razões pragmáticas. As
diferenças só se despolarizam quando as concessões são recíprocas, quando os
processos e resultados da negociação são transparentes e as bases sociais das
organizações participantes os consideram benéficos depois de devida e
adequadamente consultadas. Esta é a primeira chave para acordos entre os
partidos de esquerda.
A segunda chave consiste na consideração dos tempos e dos ritmos das
políticas defendidas. O socialismo não pode ficar na gaveta para sempre, mas
também não pode atingir-se amanhã. Há que pensar em períodos de transição, nos
quais as reformas devem ser medidas pela capacidade de consolidar avanços sem
abrir as portas para retrocessos abruptos. O neoliberalismo tornou tão evidente
e grave a transferência de riqueza dos pobres e das classes médias para os
ricos e para as velhas e novas elites que as forças de direita
tradicionais vivem hoje mais das oportunidades que as esquerdas lhes dão pelos
erros que cometem do que por mérito próprio.
9. A cultura e a educação populares são uma das chaves para sustentar a
democracia e travar o avanço dos autoritarismos.
Os meios de luta mais eficazes contra o velho/novo fascismo,
o autoritarismo e o obscurantismo são a cultura e a educação. A cultura é
a prática da diversidade e da imaginação democráticas por excelência. A
educação é essencial para promover a difusão da convivência democrática e do
interconhecimento entre diferenças políticas, sociais e culturais. As
novas formas de educação política popular incluem rodas de conversa,
círculos de cidadania, universidades populares, teatro do oprimido, poesia
slam, cultura hip-hop, com vista a criar ecologias de saberes que potenciem a
participação política em que se deve plasmar a democracia participativa do
futuro: orçamentos participativos, consultas populares, conselhos sociais ou
de gestão de políticas públicas, sobretudo nas áreas da saúde e da
educação.
A história do país, de tudo o que há nela de luminoso e de tenebroso, é
uma dimensão essencial da cultura e da educação. O passado foi um passado de
lutas onde houve vencedores e houve vencidos. Por razões óbvias, as classes
dominantes preferem a história dos vencedores contada pelos vencedores (seus
antecessores). As forças políticas de esquerda devem, ao contrário, promover a
divulgação da história dos vencidos contada pelos vencidos (os antecessores dos
grupos sociais que se propõem defender). Histórias plurais são as mais
eficazes para lutar contra a falsa contingência do presente e o carácter
instantâneo e sem raízes da contemporaneidade monolítica. Uma sociedade que não
conhece o seu passado está condenada a ter só o futuro dos outros.
10. Vivemos um período de lutas defensivas
A ideologia de que não há alternativa ao capitalismo – o qual é, de
fato, uma tríade: capitalismo, colonialismo (racismo) e hétero-patriarcado (sexismo)
– acabou por ser interiorizada por muito do pensamento de esquerda. O
neoliberalismo conseguiu combinar o fim supostamente tranquilo da história com
a ideia da crise permanente (por exemplo, a crise financeira, a crise ecológica
e, mais recentemente, a crise sanitária). Por esta razão, vivemos hoje sob
o domínio do curto prazo. É preciso atender às suas exigências porque quem está
com fome ou é vítima de violência policial ou de gênero não pode esperar pelo
socialismo para comer ou ser libertado.
Mas não se pode perder de vista o debate civilizatório que põe a questão
das lutas de médio prazo. A pandemia, ao mesmo tempo que tornou o curto prazo
em urgência máxima, criou a oportunidade para pensar que há alternativas de
vida e que, se não queremos entrar num período de pandemia intermitente, temos
de atender aos avisos que a natureza nos está a dar. Se não alterarmos os
nossos modos de produzir, de consumir e de viver, caminharemos para um inferno
pandêmico.
Num momento em que os fascistas estão cada vez mais perto do poder, quando
não estão já no poder, uma das lutas mais importantes é a luta pela democracia.
A democracia liberal representativa é de baixa intensidade, porque aceita ser
uma ilha relativamente democrática num arquipélago de despotismos sociais, econômicos
e culturais. Por isso, não se sabe defender eficazmente das forças
antidemocráticas. A democracia liberal
representativa é um essencial ponto de partida, mas não pode ser o ponto de
chegada. O ponto de chegada é uma profunda articulação entre a democracia liberal,
representativa, e a democracia participativa, deliberativa. Neste momento de
lutas defensivas, é particularmente importante defender a democracia liberal,
representativa, para neutralizar os fascistas e para, a partir dela,
radicalizar a democratização da sociedade e da política. As forças
políticas de esquerda devem ter isto particularmente presente porque sabem que
serão elas os primeiros alvos e as primeiras vítimas da violência
fascista.
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Valdimiro Lustosa: "Pensemos melhor e tenhamos ação" (Foto: Facebook) |
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André Singer, cientista político (Foto: da Internet) |
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Jair Bolsonaro: eleito com a ajuda da chamada grande imprensa (Foto: Internet) |
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Valdimiro Lustosa (Foto: da página do autor no Facebook) |
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A execução aí na foto (da Internet) não tem relação com a da carta abaixo |